segunda-feira, 3 de março de 2014

Psicanálise do Açúcar



O açúcar cristal, ou açúcar de usina,
mostra a mais instável das brancuras;
quem do Recife sabe direito o quanto,
e o pouco desse quanto, que ela dura.
Sabe o mínimo do pouco que o cristal
se estabiliza cristal sobre o açúcar,
por cima do fundo antigo, de mascavo,
do mascavo barrento que se incuba;
e sabe que tudo pode romper o mínimo
em que o cristal é capaz de censura:
pois  tal fundo mascavo logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.

Só o banguês que-ainda purgam ainda
o açúcar bruto com barro, de mistura;
a usina já não o purga: da infância,
não de depois de adulto, ela o educa;
em enfermeiras, com vácuos e turbinas,
em mãos de metal de gente indústria,
a usina o leva a sublimar em cristal
o pardo do xarope: não o purga, cura.
Mas como a cana se cria ainda hoje,
em mãos de barro de gente agricultura,
o barrento da pré-infância logo aflora,
quer inverno ou verão mele o açúcar.

(João Cabral de Melo Neto - A educação pela pedra. Alfaguara. p. 243-244 

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