segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Romance - Nova Chance - Capítulo 8

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O tempo passa e um pouco de tudo aquilo que nós chamávamos de falsidade se transforma em verdade...
(Marcel Proust)

            A manhã de domingo surgiu nublada. Mais parecia a mente de Alisson após tantos acontecimentos e tantas perguntas sem respostas. Tomou o café tradicional após o banho também tradicional e partiu para a igreja no Méier. Chegou lá bem na horinha: às 8 horas; horário da primeira missa. Logo viu sua mãe na terceira fileira de bancos como se acostumou a sentar todas as manhãs de domingo. Chegou de mansinho e a surpreendeu. Ela ficou numa alegria só. Porém, não puderam conversar muito, pois o Padre Abel já se encontrava todo paramentado para a homilia.
            Naquela manhã o reverendo falou sobre o Tema: “Oportunidades”. Trouxe à memória de todos a passagem em que um cego chamado Bartimeu, ao saber que Jesus passaria por Jericó, não perdeu a oportunidade e clamou para ser curado. Ao que o Mestre o atendeu, curando-o. O Padre Abel reforçou que aquela era realmente a última oportunidade para Bartimeu já que, dias depois, Jesus seria julgado, condenado e morto. Se o cego tivesse perdido aquela chance, ficaria sem a visão até o fim de seus dias. Da mesma forma, enfatizava o Padre:
_Todas as pessoas precisam estar atentas a não perderem as oportunidades de fazerem e de receberem o bem. Jesus não perdeu a chance de fazer um grande benefício aquele cego e este não desperdiçou a chance de ser curado.
O Padre ensinou que quando fazemos o bem, por amor, sempre aproveitaremos da melhor forma as oportunidades que aparecerem em nossa vida. E assim falou por quarenta e cinco minutos, mas com tanta habilidade e carisma, que o povo nem sentiu o tempo passar.
            Acabando a missa, Alisson pediu que sua mãe aguardasse um pouco que logo ele a levaria para casa. Aproximou-se de Padre Abel, se apresentou e pediu se poderia conversar um pouco com ele sobre algumas questões que o estavam incomodando muito: questões existenciais. O Padre Abel falou que sim, seria um prazer e que poderiam conversar na segunda-feira pela manhã, pois ele estava com este horário livre. Alisson disse que teria trabalho nesse horário, mas que daria um jeito de estar ali para essa conversa acontecer. Afinal, o mais interessado em expor seus pensamentos e sentimentos era ele mesmo. Nessa altura, já imaginava pedir aos seus colegas de trabalho para suprirem sua ausência na segunda de manhã. Despediram-se marcando o encontro para ali mesmo na igreja, mais precisamente na sala da casa paroquial.
            Alisson ficou muito agradecido por esta oportunidade e saiu com a mãe levando-a para casa. Lá, almoçou com ela, com o pai e com o irmão mais novo, passando a tarde também na companhia deles. Foram muito agradáveis aqueles momentos em família. Aproveitaram para juntos relembrarem grandes momentos da infância e da adolescência dos “meninos”. Alisson “zuou” seu irmão Arthur quando soube que ele estava namorando a Cintia Vozerão, uma vizinha que desde criança era “encarnada” porque falava “grosso”, parecia um menino falando. Arthur aceitou a gozação, mas disse que estava apaixonado e que ela havia se tornado uma bela moça, ao passo que, embora também bonita, Alexia se transformara nos últimos meses em “uma mala sem alça”, dizia rindo da cara de Alisson. E o pior que era verdade, tanto uma coisa quanto a outra.

            Com a barriga ainda cheia da deliciosa comida da mãe e da não menos saborosa torta de morango, Alisson chegou até a sua casa, presenciando em seu portão a bela Alexia, que o estava esperando já havia algum tempo.
            _Que surpresa, Alexia! Está me esperando por muito tempo?
            _Não, cheguei tem pouco tempo. Na verdade, já ia embora por achar que você não fosse retornar tão cedo. Não sabia e não sei aonde você foi...
            _Certo... bem... fui até a casa de meus pais, na realidade, fui primeiro à missa e depois fui almoçar e passar a tarde com meus pais e meu irmão.
            _E como é que eles estão? Tem um tempo que não os vejo. Às vezes, sinto falta de nossas saídas até a casa de seus pais.
            _ Eles estão bem e, quanto a não ir mais lá, foi você mesma que pediu para não irmos mais já que você cismou que meu irmão Arthur nunca gostou de você!
            _É verdade. Já havia me esquecido disso.
            _Vamos entrar para conversarmos melhor lá dentro, Alexia?
            _Claro!
            Ambos entraram e Alexia ficou em pé na sala sem sentar-se. Alisson achou aquela atitude estranha e perguntou o que estava havendo e disse que ela poderia se sentar no sofá. Alexia, desconfortavelmente, sentou-se. Alisson também se sentou no sofá em frente ao que Alexia sentara e ambos ficaram um olhando para o outro num jogo de olhares e num silêncio angustiante e sepulcral. Até que Alisson quebrou o silêncio perguntando:
            _E aí? Por que você veio?
             _Creio que precisamos conversar, pois dá última vez nós não nos entendemos bem, não é mesmo?
            _É. Você ficou com ciúmes de uma colega minha de trabalho que ainda está desaparecida...
            _Tem razão. Eu exagerei, mas também você trocou meu nome pelo dela...
            _É... A situação da moça me abalou. Foi sequestrada por marginais.
            _Nossa! Que horrível! – disse Alexia com cara de aflita.
            _Pois é. Entretanto... Vamos falar sobre nós...
            _Está bem Alisson. Por incrível que pareça, eu não senti a sua falta nesses dias. Pela primeira vez, desde que nós começamos a namorar, eu fiquei bem sem a sua presença. E isto me fez pensar muito se vale apena ou não continuarmos com esta relação. Você só conhece um pouco sobre mim. Desde pequena tenho problemas com a figura masculina – Alisson começou a ficar preocupado com essa afirmação e o desdobramento da conversa – tudo começou com o meu pai. Você conhece o meu padrasto, todavia meu pai foi um homem, digo que ele foi porque já faleceu de enfarto, muito rude. Batia na minha mãe, a humilhava, o que fez com que eu não me espantasse dela, com um mês da morte de meu pai, ter se ajuntado com o meu padrasto, que era um vizinho muito próximo. Já entendeu que todo mundo pensou na traição né? Eu também.
            A relação com o meu padrasto sempre foi horrível. Não nos falamos, ou melhor, somente o necessário. É assim desde que ele entrou na minha vida de adolescente. Sabe que às vezes eu achava que a implicância comigo e com os meus namorados era somente porque eu não aprovava a relação dos dois, embora tenha que reconhecer que ele tratava e trata muito bem dela. Acredito que gosta mesmo dela e isto é suficiente para mim, porém nunca conseguimos nos entender. No entanto, ultimamente venho revendo isto e acho que ele tem uma espécie de ciúme de mim. Não sei se motivado por um sentimento paternalista machista ou se por um desejo reprimido e escuso.
             Só sei que esta dúvida e o medo de confirmar tal sacrilégio me fizeram me afastar ainda mais dele e dela. Entro no meu quarto e somente saio para fazer as alimentações, fazer a higiene, as necessidades biológicas e ir para a Faculdade ou para algum outro lugar.
             Não tenho irmãos ou irmãs. Sempre fiz de minhas amigas e primas minhas irmãs. Não foi possível fazer o mesmo com meus primos e colegas meninos de escola e de rua. Eles eram muito maliciosos e abusados. Não me davam chance de confiar neles. Os namorados só queriam transar. Você foi o primeiro que me deu esperanças de ter uma relação confiável e estável. E, pelo jeito, eu não valorizei isto. Sei que fui muito possessiva e até mesmo chata; sempre cobrando de você. Entretanto, não posso deixar de dizer que você também me decepcionou ao não me ouvir muitas vezes. Sempre necessitei muito de conversar...
            _Mas por que você não me alertou Alexia?
            _Essas coisas a gente não alerta. A gente imagina que o cara vai notar, e você nunca notou que eu sempre fui carente da figura paterna;  você poderia tentar substituir meu pai. Isto já me ajudaria. Sem os seus ouvidos e tentando me entender, entrei para o Curso de Psicologia, mais querendo me resolver do que trabalhar com isso profissionalmente. E nesse particular, tenho que dizer que você nunca me apoiou; muito pelo contrário, sempre reclamava que eu estava “estagiando em nosso relacionamento...”
            _Também pudera, Alexia, qualquer situação que acontecia com a gente você vinha com teorias de Freud, Lacan, Erick Ericsson, etc.. “Faça-me um favor....”
            _Não! Eu somente tentava entender o que acontecera com base nos meus conhecimentos aprendidos na Faculdade... Deixa pra lá!
            De tanto não contar com a sua colaboração em me ouvir, comecei a conversar mais repetidamente com um grupo nosso de trabalho na Faculdade. Nós nos reuníamos e fazíamos uma espécie de terapia de grupo. E começamos a descobrir que tínhamos mais coisas em comum do que diferenças. Nesse grupo, eu conheci mais de perto um colega de turma chamado Renato. Não deu muito tempo e nós (Alisson já começava a respirar fundo, pois previa a confissão de Alexia em breve, muito breve...) começamos a sair juntos por nos identificarmos com as mesmas queixas, isto é, eu me queixando de sua ausência, embora presente fisicamente, e ele da mesma forma com relação à Rosane, sua namorada. (Alexia fica de pé e passa a andar para lá e para cá). Conversa vai e conversa vem. Beijamo-nos e passamos a nos encontrar após as aulas. Estou apaixonada. É isso! Pronto: falei! Desculpe-me, Alisson, pela traição.
             _Como é que é? Você me trai e vem com essa cara mais deslavada dizer isso?
            _Alisson, você gostaria que eu ficasse traindo você às escondidas?
            _Não! Preferiria que você não tivesse me traído! Por que você não me procurou assim que começou a sentir atração pelo rapaz? Esperou beijá-lo e transar para depois vir aqui com essa “cara de besta” falar isso para mim?
            _Pera lá, não me ofenda! E eu não transei com ele, pelo menos ainda não. Quase, mas eu segurei as pontas, como fiz com você no início até saber verdadeiramente com quem estava me relacionando.
            _Não Alexia! Você não sabe e nem nunca soube com quem estava, ouviu, estava se relacionando. Já chega! Pode ir! Vá viver sua nova e louca paixão! Podem ir pro divã juntos. Vocês se merecem!
            _Eu não queria que acabasse assim. Você foi muito importante na minha vida...
            _Não parece! O que parece é que você encontrou um “pai”, o qual você pode namorar.
            _Não fale assim! Sou agradecida por tudo que passamos juntos. – Alexia falou chorando muito.
            _Quer dizer que você me agradece me colocando um chifre? – disse ironicamente Alisson.
            _Bem... já disse o que desejava e tinha obrigação, dever de dizer. Tchau! É triste acabar assim – argumentou uma decepcionada Alexia.
            _Tchau! Seja feliz!
            Alisson abriu a porta para Alexia sair. Ela indo para a porta, subitamente, lançou-se nos braços dele e o beijou no rosto, ao que Alisson a empurrou e disse:
            _Adeus!
            Quando ela saiu, ele bateu a porta com força e foi tomar banho, extremamente aborrecido. No chuveiro, como sempre fazia, abriu o registro e deixou a água escorrer pelo seu corpo, novamente num ritual de purificação. Jamais pensava que seria traído por uma mulher. Sempre desconfiou que ele próprio se tornasse um traidor incorrigível, de tanto que olhava a mulher dos outros quando era adolescente; bastava ter um acompanhante ou alguém do lado para chamar a atenção de Alisson. Às vezes, as meninas, as garotas e as mulheres mais bonitas estavam sozinhas nas festas, mas ele se interessava pelas comprometidas. Não sabia explicar ao certo o porquê dessa atração pelas comprometidas; queria constantemente roubar a namorada dos outros. Uma possível explicação seria o fato de se interessar por aquela que fora alvo da cobiça de alguém, de algum concorrente. Era uma espécie de competição e obsessão: ter o que não se podia mais ter. Tomar algo que fazia o outro se sentir bem. Descobrir por que aquela moça foi cortejada, o que ela tinha de interessante.
            Talvez tenha sido vítima desse próprio veneno. Recebeu na pele a própria vingança por tantos colegas que fez sofrer ao roubar a namorada deles. Talvez esse tal de Renato tenha sido algum deles e agora se vingou. Ou não, realmente tenha se apaixonado e vai fazer Alexia feliz. Para isso ele vai ter que deixar outra sofrendo: a Rosane, sua namorada e tão “corna” quanto ele se sentia “corno”. 
            Alisson sofria mais pelo orgulho masculino ferido do que por gostar ainda de Alexia. E isto era uma espécie de consolo. Já estava praticamente apaixonando por Camily. Porém, o aterrorizava a enorme possibilidade dela estar morta. “Já pensou?” – pensou ele –  “estar apaixonado por uma defunta?”
            Saiu do banho e foi se deitar. Eram oito horas da noite e ele estava exausto por tantas emoções vividas. Nem quis comer nada, perdera a fome com a confissão de Alexia e ainda sentia a barriga cheinha de torta de morango. De certa forma, aquietou-se com o trabalho poupado de ter que terminar com Alexia. Já deitado, Alisson lembrou que o término do namoro havia acontecido em setembro de dois mil e onze. Então uma de suas perguntas, a que indagava sobre a possibilidade de alterar os acontecimentos, estava respondida: o namoro acabou em 28 de fevereiro de 2009 e não em 15 de setembro de 2011 como Alisson esperava; isto indicava que houve a antecipação no tempo de um fato que ocorreria somente em dois mil e onze. Os fatos poderiam ser alterados. Então sua mãe não necessariamente iria morrer em agosto de dois mil e onze. Isto o alegrou, mas ao mesmo tempo rapidamente o amedrontou: sua mãe poderia morrer antes. Tentou não pensar nisto e adormeceu.

 (Gilmar Cabral) 












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