segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Súplica



 
Escuta a minha oração, ó Deus, não ignores a minha súplica.
                                      (Sl 55:01 - NVI)

 
Três horas da madrugada e Lídia está olhando pela janela do Hospital Geral contemplando a chuva fina que cai sobre as ruas, casas e respinga na vidraça, refletindo, no embaçado vidro, a respiração cansada e preocupada desta jovem mãe. Sua filhinha de cinco anos acabara de ir para a sala de cirurgia. Apendicite aguda. Operação às pressas. Durante a semana, sentira dores abdominais e um leve repuxo na perna direita. Aparentemente, nada tão grave. Mas naquela madrugada, a dor e o mal-estar se intensificaram a tal ponto de terem que ir apressadamente para o Hospital, ela e o esposo com a filhinha. Agora era esperar e orar. E é isto que Lídia faz ao contemplar a noite chuvosa: ora a Deus. Roga ao Pai que tenha misericórdia de sua filhinha.
Seu esposo, impaciente, toma um café nesta mesma na sala de espera, na qual, no fundo, encontra-se a sua mulher. Ele toma café mais por nervosismo do que por vontade. Levanta-se. Dirige-se até onde está sua esposa e a conforta. Observa que sai palavras de sua boca, como que balbuciando. Então percebe que ela está orando. Cada frase vem acompanhada de uma lágrima que, pela junção de imagens, se confunde com a linha de água que escorre pela janela. Lamentação e angústia totais.
O clamor vai se intensificando, à medida que o tempo avança. Numa contraposição insistente, as notícias não avançam nada. Vem à mente dela e creio que também à dele o texto de Jeremias 33:03 que diz assim: Clama a mim e eu responderei e lhe direi coisas grandiosas e insondáveis que você não conhece (NVI). Ou então I Jo 3:21-21: Amados, se o nosso coração não nos condenar, temos confiança diante de Deus e recebemos dele tudo o que pedimos, porque obedecemos aos seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada (NVI). Eles são crentes fiéis e confiam em Deus.
As frases em forma de oração são aproximadamente estas: “Senhor, livra a minha filha desta! Ela é tão novinha! Tem a vida toda pela frente! Salva a nossa filhinha, Jesus, não a tire de nós agora!” A possibilidade de perder um filho é realmente dolorosa e angustiante. Passa pela mente da mãe a agradável surpresa ao constatar a gravidez, a primeira imagem do feto no ultrassom, a carinha chorosa nos primeiros instantes de vida pós-parto, a primeira amamentação, as primeiras palavras e os primeiros passos; de repente ela comenta essas imagens que vão passando em sua mente com o esposo e, ele, por sua vez, compartilha, choroso, as lembranças ao trazer à memória o aniversário de um aninho, os demais aniversários, as brincadeiras juntos, os passeios, o primeiro dia na escolinha, as fotos e filmagens, as festas de natal e de ano novo, as homenagens do dia das mães e do dia dos pais tanto da escolinha quanto da Igreja. Parece que tudo isso ficará marcado na memória e na saudade. Ele ainda se emociona ao lembrar a alegria que sentiu quando soube que seria pai... 
Ao perceberem que estão sós na sala de espera e ainda sem notícias, tomam um choque da realidade presente ajoelhando-se e, com os rostos molhados, erguem um grande clamor juntos por quinze minutos. Levantam-se mais confiantes com a oração e recebem um telefonema nessa hora. Era do reverendo, confortando-os e declarando que já estava a caminho do Hospital. Tomara conhecimento do fato pela vizinha da família que ajudara na saída às pressas e frequentava a mesma Igreja que eles. Aí mesmo que o reforço foi tremendo! Buscaram um ao outro num abraço forte e confiante. Sabiam mais do que nunca que Deus estava no controle da situação. Agora podiam esperar. O reverendo chegou e acompanhou-os nessa ansiosa jornada.
Às cinco horas e trinta minutos da manhã, um dos médicos aproximou-se deles e declarou que a menina passava bem e que a cirurgia tinha sido um sucesso. Eles haviam conseguido retirar o apêndice supurado e fizeram uma limpeza abdominal para retirar qualquer resquício da inflamação. O alívio e a alegria foram gerais. O casal abraçou emocionado o reve- rendo e o médico, e juntos, menos o médico, agradeceram a Deus pelo milagre. 
Em três dias, Monique já estava em casa com os pais. Sorridente e alegre como sempre foi. A experiência vivida por esta família é um exemplo de que com fé e perseverança na oração, sem desespero, conseguimos sair com a vitória. Cada oração respondida revela que o Senhor está presente em todos os momentos, mas como afirma o Salmo 46 versículo primeiro: Ele somente está bem presente, é na hora da angústia (grifo nosso).                


            Reflexão:
            Quando estamos em momentos extremos em nossa vida, como a possibilidade de uma iminente perda, é natural que exercitemos a nossa memória trazendo para as nossas lembranças momentos marcantes com aquela pessoa que está na iminência de nos deixar.
            Quando penso nisso, tento entender os que os discípulos de Jesus sentiram nas horas da crucificação e na realidade da morte do Mestre. Acredito que além do sentimento de culpa que deve ter percorrido seus corações por abandonarem Jesus em suas horas mais angustiantes (fora as que Ele passou no Getsêmani), deve ter passado em suas mentes os momentos extraordinários vividos com o Mestre, o que certamente fez aumentar a saudade após a constatação da morte do Salvador.
            Em situações de possível perda, sofremos geralmente por antecipação; é como se, ao evocarmos as memórias, já estivéssemos nos despedindo da pessoa amada. Antecipamos o luto mesmo quando ainda estamos lutando pela vida, batalhando em oração pelo milagre. É quase um instinto nosso. O fato é que essas memórias, ao mesmo tempo em que “antecipam” a morte, nos confortam com a certeza que, se a partida for confirmada, pelo menos essas lembranças ninguém as tirará de nós. Ouvi isto de um famoso psicanalista e não mais esqueci: as imagens que guardamos dos momentos que passamos com alguém que amamos jamais poderão ser apagadas de nossa existência, mesmo que não tenhamos mais aquela pessoa. Nem a dor, nem a doença e nem mesmo a morte nos poderá roubar essas lembranças.
            Lídia e seu esposo agarraram-se a duas fontes de esperança e de conforto na hora da crise: a oração e as memórias. Jeremias declarou em Lamentações 3:21 (NVI): todavia, lembro-me também do que pode me dar esperança...  Lembrar-se de orar, de suplicar e de reviver momentos alegres são atitudes que encorajam na hora da crise. Deus ouviu a oração do casal e as memórias resgataram mais ainda neles o valor da vida, pois isso é interessante: a realidade da morte acaba por nos levarmos a valorizar cada vez mais a vida. A súplica respondida por causa da fé é mais um dos milagres divinos na existência humana.
(Gilmar Cabral)









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