quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Nova chance - Capítulo 9

Tem horas que é caco de vidro
Meses que é feito um grito
Tem horas que eu nem duvido
Tem dias que eu acredito.
(Paulo Leminski)

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9
            Segunda-feira 8:30 da manhã. Alisson dirigiu-se rumo à casa paroquial de Padre Abel. Nem parecia que tinha encerrado um relacionamento amoroso de forma dolorosa na noite anterior. Estava confiante, pois as respostas já começavam a chegar. Ele tinha certeza que Padre Abel traria luz ao seu entendimento sobre o que estava acontecendo com ele.
            Lembrou-se de ligar para a turma do escritório de Markting. Falou com o pessoal e garantiu que à tarde estaria lá e que eles “quebrassem” mais essa pra ele. Ouviu um chororô, mas disse que era fundamental essa conversa. Depois ligou para Elizabeth e soube que o inspetor Clayton havia acabado de ligar para ela, aproveitando o número do telefone da Empresa que ele havia apanhado quando lá esteve fazendo os “interrogatórios” sobre o sumiço de Camily. No telefonema, ele disse algo importante: estava organizando naquela manhã uma invasão ao Morro do Carpão para tentar encontrar o esconderijo em que Camily poderia estar. Ele afirmara que estava convencido de que a moça ainda se encontrava viva lá no Morro, embora praticamente toda a Delegacia em que trabalhava achava que era mais uma de suas suposições estapafúrdias. Mas ele sabia que deveria agir logo, antes que fosse tarde demais. Com muita lábia, conseguira convencer o delegado a fazer essa operação e ainda conseguiu o apoio da Polícia Militar para a invasão. Na verdade, a Polícia já estava planejando esse tipo de ação para inibir o tráfico na região e o agente Clayton tirou proveito disto.  
            Alisson agradeceu a informação e disse que estaria à tarde lá na Empresa e que, assim, eles poderiam acompanhar as informações sobre a operação policial, juntos. Falou que estaria com o Padre pela manhã e que solicitaria ao próprio que rezasse junto com ele por Camily. Desligou.
            O inspetor de polícia Clayton Gomes era um pai exemplar e excelente marido. No trabalho, já era meio bola fora. Quase sempre não resolvia os casos e acabava por complicar tudo com teorias mirabolantes sobre o desfecho dos crimes. Além dessa trapalhada toda, ao ficar nervoso ou ansioso, cuspia feito doido. Sua boca salivava com uma enorme abundância. Já tinha ido a médicos de várias especialidades. Já havia procurado realizar todos os exames imagináveis e nada de descobrir a real causa. Assim, o neurologista atestou: sofre de cusparada obsessiva. Não tem cura. Mas é possível controlar com ansiolíticos. Só que, ao ler na bula do remédio Alprazolam 0,5mm, que o mesmo traria um benefício: relaxar; e “trocentos” efeitos colaterais: de vômito passando por diarreia até convulsão, seu Clayton não tomou nenhum comprimido. Trocou o medicamento por Maracujina.
            Teve uma vez que ele assumira um caso de sequestro parecido com o da Camily. Só que o desfecho havia sido um fiasco. Um garoto fora sequestrado na porta de casa enquanto brincava com os coleguinhas. Ele morava numa boa casa no Grajaú. Era filho de uma microempresária e de um advogado bastante respeitado. Tudo indicava que a principal suspeita do crime era uma ex-empregada doméstica da família que havia jurado vingança ao ser demitida por justa causa já que fora apanhada em flagrante pela patroa roubando dois brincos de ouro da dona. Mas seu Clayton cismou que a sobrinha do casal era a principal suspeita: uma garota de quinze anos que estava passando férias na casa dos tios. Moral da história: a polícia demorou a agir, confundindo-se com a suspeita errada e o menino foi morto pelos sequestradores. O inspetor Clayton quando conseguiu prender a quadrilha e constatar que fora a ex-empregada a mentora do crime, já era tarde. Ele até ficou depressivo por cinco meses, tendo às vezes de ficar de licença médica tamanha era a “depre” em que ele se encontrava.
            Assim, a fama desse inspetor foi se alastrando não apenas por sua Delegacia, mas também isso acabou vazando para outras Delegacias. Quando já pensava em largar a carreira policial, sua esposa e seus dois filhos o incentivaram dizendo que acreditavam nele e na sua capacidade. Decidiu tentar de novo e, após dez casos praticamente perdidos, finalmente seu Clayton esclareceu um crime: o roubo de uma lata de goiabada do Armazém ou falando chique da Loja de Conveniência Pegue e Pague. Mesmo assim, o inspetor Clayton demorou uma semana para desvendar o crime, enquanto que a gerente da Loja ou do Armazém, sei lá, já sabia desde o primeiro dia do roubo quem havia cometido o delito: um adolescente cheirador de cola que vivia pelas imediações da Loja manjando a oportunidade. Porém, seu Clayton achou óbvia demais essa constatação até que seis dias depois do ocorrido resolveu pressionar o rapaz que circulava de novo por lá por certo esperando outra moleza para roubar. O garoto confessou após quase meia hora de tortura psicológica sobre o que aconteceria com ele se fosse para o juizado de menores.
            Esta resolução “fantástica” do crime da lata de goiabada ajudou a amenizar a má fama de Clayton. Agora tinha novamente a sua grande oportunidade de subir no conceito de seus colegas de trabalho, mas também no conceito de seus amigos e familiares. Era somente resolver o “Caso Camily”. Ainda que com remotas chances de encontrá-la com vida, o mais importante era dar um desfecho para o caso. Esse crime era visto por ele como uma espécie de resgate, de redenção de seu nome e de seu prestígio como policial. Uma nova chance para definitivamente começar sua carreira de sucesso profissional.
            Clayton chamou todos os policiais e agentes envolvidos na operação de invasão ao Morro do Carpão e fez uma explanação de quarenta minutos sobre como seria a operação. No final da fala dele, já tinha policial roncando sentado na cadeira. Outros fingiram que o ouviram, mas não davam muita bola pra ele; certamente pela sua fama de trapalhão, o que ganhava corpo com as paradas de cinco em cinco minutos para cuspir. Encerrou e preparou os policiais para invadir.
            O delegado dizia consigo mesmo: “tomara que este paspalhão saiba o que está fazendo. Só deixei porque a Polícia Militar ia lá mesmo e, além do mais, precisamos dar uma resposta mais efetiva a esse crime senão daqui a pouco o caso vaza para a imprensa e estamos ferrados”. O “delega” ficou tão preocupado com essa operação que passou a manhã toda com diarreia, comendo torrada com suco de caju gelado para ver se refreava o negócio. Que furada hein!?


(Gilmar :Cabral) 



























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