Talvez alguém ao ler o título deste
conto possa pensar que este texto vai abordar uma tese bem conhecida no meio
Educacional, a saber, a teoria da “Educação Bancária” versus a teoria da
“Educação Problematizadora”, do grande mestre brasileiro Paulo Freire. Não é
bem isso. Na verdade, não é nada disso; embora até haja a possibilidade de se
pensar esta narrativa tanto do ponto de vista de uma proposta de fazer do outro
(no caso o leitor) um depósito de informações (Educação Bancária), quanto da forma de ver o outro (o mesmo leitor)
como um ser pensante e que tem condições de analisar criticamente as
informações a ponto de problematizá-las de tal modo a tirar conclusões
autônomas (Educação Problematizadora).
Espero que você seja um tipo de leitor da segunda hipótese. Portanto, vamos
lá!
O que passo agora a narrar aconteceu
comigo um dia desses em que fui ao Banco fazer uns pagamentos e sacar uns
tostões. A bem da verdade, isto acontece quase sempre que vou ao Banco e creio
que acontece com você também; pois, é praticamente rotineiro o Banco estar
cheio, não é mesmo? Mas naquele dia foi especial ou incrivelmente absurdial!
Bom, cheguei e vi a fila “quilométrica” (para variar), e isto era a fila do caixa
eletrônico que, para meu desespero, só havia um funcionando, dos cinco ali
instalados. A coisa tava tão feia, que nem o ar-condicionado do recinto
funcionava. Brincadeira! Devia ter uns trinta na minha frente. Detalhe: destes,
uns dez eram de velhinhos que não enxergavam nem o rei momo a dois metros de
distância. Que dureza! E cada um, que custosamente chegava ao caixa, chamava um
daqueles assistentes ou atendentes adolescentes que, sem paciência nenhuma,
atendiam mal e aí faziam com que os velhinhos os chamassem novamente. Não é
mole não! Sem contar, que o “sistema” estava parando toda hora. Fala sério!
Fazer o quê? Precisava dos serviços
bancários. O jeito foi aturar. Me aproximei bem perto da fila e fiz a
tradicional pergunta:
_ A senhora é a última da fila? Ao
que ela respondeu:
_ Sim, miseravelmente sou!
Já deu pra eu sentir que o negócio
estava ruim mesmo. Fiquei calado. Falar o quê? Tá doido, tomar um fora de
graça! Daqui a pouquinho chegou um, dois, três, quatro... atrás de mim. A fila
se estendeu mais. Era por volta de onze horas da manhã, e já havia umas
cinquenta pessoas esperando a mórbida lentidão da fila andar.
Não demorou muito, pois já
aconteciam alguns comentários de insatisfação e desaprovação da coisa, para os
protestos aumentarem:
_ Bota mais caixas eletrônicos, seus
mãos de vaca!
_
Isto é um absurdo! Que que estes donos de Banco estão fazendo com o dinheiro do
povo?! Por que não fazem manutenção nessas máquinas ou então trocam elas, meu
Pai!?
_ O povo tem que sofrer mesmo, não é?!
Eu também, que não sou de ferro, comecei a chiar fazendo coro com eles:
_ Isso é tudo uma corja que só sabe endinheirar-se a custas do suor do
povo brasileiro!
E recebia a aprovação do povo:
_É isso mesmo, cara!
Só que, vendo que os protestos não adiantavam, percebi que as pessoas
começaram a trocar o lado do disco, isto é, passaram a falar sobre outros
assuntos: uns interessantes, outros ridículos e outros emocionantes. Vou
começar pelos interessantes. Falamos sobre a crise econômica e política do sistema
capitalista mundial, o governo Dilma, a questão da violência, a crise política
no Oriente Médio, a sucessão presidencial americana, o custo de vida em algumas
capitais do país e as suas diferenças, as novas descobertas científicas para a
cura da AIDIS e do câncer, os buracos não, as crateras na camada de ozônio, os
novos tratamentos fitoterápicos para doenças crônicas,... etc.... Nessa, eu
interagi com uns quinze. Foi legal. Aprendi muita coisa que eu não sabia sobre
esses e muitos outros assuntos que conversamos ali. É lógico que cada um tinha
a sua opinião e, às vezes, divergíamos, discutíamos, mas tudo acabava bem,
apesar da irritação com a demora na fila.
Porém, não posso deixar de falar sobre os “causus” ridículos que ouvi e
vi ali. Teve uma mulher que estava a três pessoas na minha frente, mas virada
para trás. Como aquela senhora era ridícula! A começar pela roupa. Devia ter
uns cinquenta e cinco anos, todavia queria ainda ser “garotinha”. Usava uns
meiões coloridos com uma saia minúscula, além de um “tomara que caia”, que cá
pra nós, nem precisava ter esse nome porque já estava tudo caído mesmo, mas
vamos lá! E a boca? Com um batom vermelhaço! Olhos azuis em todos os sentidos e
um cabelo que parecia do palhaço Bozo. Que que era aquilo?! E a conversa? Só
vantagem:
_ Sabem, já namorei tanto e até hoje ainda me querem. E eu me perguntava:
“quem vai querer isso?! Só desesperado
ou cego.” Ela insistia:
_ Essas menininhas de hoje têm que aprender comigo como ser sensual.
Aí eu ri........Brincadeira!
Com esta senhora aprendi que bom senso e senso de ridículo não fazem mal
a ninguém. Mas não parou por aí o meu aprendizado naquele dia. Um rapaz, muito
mal humorado, reclamava o tempo todo, porém não era da fila interminável, era
de sua família. Chamava o pai de beberrão, a mãe de lesada, os irmãos de
cínicos e a esposa de abestalhada. Pelo jeito não tinha filhos; ainda bem para
os pobrezinhos. O cara era um chatonildo de galocha. Ninguém mais aguentava ele
falando horrores de seus parentes. Não escapava ninguém. Até um sobrinho recém
chegado levou o “apelido” de estorvo.
Estorvo era esse cara. Ele encheu tanto a nossa paciência que um
brutamontes que estava no final da fila, já injuriado com a demora, bradou:
_ Cala a boca aí o estrume! Chega de denegrir a sua família ó palhaço!
O rapaz (que deveria se chamar “Malito Sem Alça da Silva”) até esboçou
retrucar com palavrões, mas de bobo não tinha nada e, ao perceber o tamanho da
encrenca que arrumaria, ficou na dele. Ufa! Todos suspiraram. Até que enfim ele
se calou. Aprendi com o “malita” a não manchar a imagem da minha família, pois,
apesar de suas limitações e dificuldades, é a nossa família e ninguém gosta de
ouvir falar mal da família porque vê a sua própria refletida nas palavras
agressivas.
Todavia, o silêncio durou pouco. Uma criança de quatro anos danou a
perturbar a fila. Estava com o seu pai, no entanto é como se estivesse sozinha.
Pintou e bordou com a cara do homem. E se jogava no chão e o homem a levantava
e dizia:
_ Para, filho. Não faz isso senão papai fica triste...
O garoto nem aí. Rolava pelo chão. Pulava. Gritava. Chorava. Com
agressividade falava:
_ Me dá! Eu quero o boneco do Ben 10!
O pai paciente dizia:
_ Filho, papai não tem o dinheiro suficiente aqui na carteira para
comprar. E o garoto:
_Tem sim, seu mentiroso!
O pai, sem graça, dizia para nós:
_Ele é assim mesmo. Depois ele acalma. Eu sou paciente, compreensivo, um
bom ...
Aí eu no pensamento completei: “E um bom painaca”! Que frouxo!
Vencido pelo filho, o “boneco” foi embora comprar o boneco. Não é mole
não! Neste episódio entendi como não se deve ser pai.
Um outro bem na minha frente virou-se para mim e os demais, e começou a
dizer o que ia fazer com o dinheiro do fundo de garantia por tempo de serviço.
Até aí tudo bem. O problema é que ele cuspia pra dedel quando falava.
Misericórdia! Era uma chuva de saliva. Tem mais: acho que ele tinha bebido ou
cheirado alguma coisa porque dizia que faria tanta coisa com aquele dinheiro.
Só que nem me lembro direito o que ele pretendia, pois a “chuva” era tanta que
não conseguia pensar em outro fato a não ser me livrar do “Tiozinho Cospe
Cospe”. Aprendi que não se deve falar tão perto das pessoas, principalmente se
você tem um chuveiro na boca, e nem ficar com ideias mirabolantes de compra com
apenas uma mixaria para receber. Tá doido! Que frustração aquele coroa deve ter
tido!
O caso mais ridículo foi uma discussão entre um casal quase no fim da
fila. A mulher, feia pra lascar, cobrando do homem, outro feiosão, o fato dele
ter chegado tão tarde na noite anterior, em casa.
_ Onde você esteve seu sem-vergonha?!
_ Não te interessa mulher!
_ O quê?! Você sai, bebe todas e se envolve nas imundícies com as
mulheres da rua, e vem me dizer que não
me interessa?!
_ Tá vendo! Se você já sabe o que eu fiz pra que que perguntou?!
_ Pra isso! E deu na cara do homem. Mas foi um tapa tão bem chapado, que
o homem deve estar até hoje vendo estrelas. E a seguir emburacou pra cima dele:
tapas, socos, ponta-pés, palavrões, unhadas, puxões de cabelo... Não deu pro
cara nem reagir. Já não tinha muitos dentes. Acho que deve ter sobrado somente
uns dois na boca porque, pelo jeito, já estava tudo mole de cárie mesmo; eram
“cotocos”. Enfim, chegou a turma do “deixa disso”, tudo se acalmou. Meu
aprendizado foi claro: ser fiel até a morte e não chegar tarde em casa.
Entretanto, tenho que citar o fato do meu cabedal de conhecimentos também
ter sido acrescido de experiências emocionantes. Ouvi histórias de amores não
correspondidos, de crianças desaparecidas, de famílias que sobrevivem com pouco
dinheiro, mas possuem amor e companheirismo; ouvi histórias de pessoas que
trabalham como voluntárias em Hospitais como os que tratam pacientes com
câncer, todavia uma história que gostaria de compartilhar falou muito comigo.
Foi a que ocorreu com uma garotinha de 5 anos, que estava com a avó (para mim
até essa altura dos fatos era apenas avó da menina) na fila. Mesmo elas tendo
ido para a fila de idosos, que finalmente foi restabelecida, deu para escutar
um pouco do caso.
A menina havia sido encontrada numa sacola plástica dos Supermercados
Guanabara, junto com as bolsas de lixo duma esquina, do bairro de Cavalcante. A
avó, ou melhor, mãe de criação da menina foi quem a encontrou. Naquele dia,
havia saído cedo de casa, como de costume, para ir ao médico a fim de realizar
uma consulta de rotina. Quando a idosa chegou perto dum poste onde ficavam as
sacolas de lixo esperando pelo Lixeiro passar, ouviu o choro do bebê. Aflita, à
priori não acreditou que pudesse ser uma criança. Mas, ao se aproximar mais
ainda, percebeu que se tratava de um neném recém-nascido. Pegou a criança e
rapidamente tomou um táxi e foi para o Hospital mais próximo. A garotinha tinha
apenas 12 horas de recém chegada ao mundo. No início, foi muito difícil. Quase que
a criança não sobreviveu. Após três meses de acompanhamento médico diário, a
menina foi liberada. Ficou inicialmente sob os cuidados do Conselho Tutelar da
Cidade. A bondosa velhinha quis a guarda da criança e entrou com um processo de
adoção. Com a ajuda divina e a simpatia da juíza, tudo foi resolvido e a
criança teve seu lar. Ali estava ela, bela, sorridente e feliz com a sua
vovozinha-mãe. Uma história que tinha tudo para ser trágica, virou uma bela
crônica de amor que faz bem pra vida.
As lições foram imediatas: se há pessoas capazes de jogarem um ser humano
indefeso no lixo, sempre também haverá seres humanos capazes de realizarem
grandes atos de amor e de acolhimento; há! Também: é preciso ficar atento, pois
numa esquina pode estar uma linda experiência e a mudança radical da nossa
vida.
Por fim, chegou a minha vez de ir ao caixa eletrônico. Que absurdo!
Esqueci a senha! Depois de tanto tempo esperando, já com as pernas cansadas!
Tive que voltar no outro dia. Lições: nunca esqueça a senha ou então, para não
acontecer isso, leve-a registrada num papel. Porém, cuidado! Alguém pode ler ou
copiar a sua senha. Atenção com o ataque da “saidinha de banco”! Fique esperto!
Se for possível, não tire dinheiro grande, a não ser que esteja acompanhado.
Seja cuidadoso. Não fui, me ferrei!
(Gilmar Cabral – conto publicado no livro Histórias Recolhidas)
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