quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Soneto





Amor desta tarde que arrefeceu
As mãos e os olhos que te dei;
Amor exato, vivo, desenhado
A fogo, onde eu próprio me queimei;

Amor que me destrói e destruiu
A fria arquitetura desta tarde
_ só a ti canto, que nem eu já sei
Outra forma de ser e de encontrar-me.

Só a ti canto que não há razão
Para que o frio que me queima os olhos
Me trespasse e me suba ao coração;

Só a ti canto, que não há desastre
De onde não possa ainda erguer-me
Para encontrar de novo a tua face.

(Eugénio de Andrade - "Soneto". Cinco séculos de sonetos portugueses: de Camões a Fernando Pessoa. Organização Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. p. 219.)  

Nenhum comentário:

Postar um comentário