Agora, pois, permanecem a fé, a
esperança e a caridade (amor), estes três, mas o maior destes é o amor.
(I Co 13:13-RC)
Neilson
acordou, naquela manhã, decidido a colocar em prática sua nova proposta de vida:
sair de casa ou da Fazenda de seu pai para conhecer os prazeres da vida, na
cidade. Não queria mais para si aquela vidinha pacata do meio rural. Ele
desejava experimentar fortes emoções e usufruir da grana e de sua juventude.
Durante todo aquele dia, insistiu com o seu pai para que este lhe desse a sua
parte na herança da Fazenda. O pai, amoroso e cuidadoso, tentava mostrar para o
jovem o quanto era perigoso para ele “cair” no mundão sem rumo e sem preparo.
Procurou transmitir ao filho a segurança que havia em casa e as possibilidades
que ele tinha de constituir uma família com o futuro já garantido. Usou a
Bíblia para mostrar o perigo de estar fora da casa do Pai, pois Neilson não
estava apenas querendo sair de casa, ele estava também disposto a largar a sua
fé.
Porém,
o jovem estava decidido. Depois de muito conversarem e do pai insistir para que
ele não partisse, o velho, vendo que não conseguia mudá-lo de atitude, decidiu,
embora com tristeza, realizar o desejo de seu filho e lhe deu a sua parte na
herança. Tão logo tomou posse do dinheiro, o rapaz pegou seu carro com algumas
roupas e foi para a gandaia, aloprou de vez!
O
irmão mais velho, Otávio, soube dos fatos após chegar do trabalho de uma das
lavouras da família e achou um absurdo o ocorrido. Ele não aceitava o fato do
pai entregar a parte de seus bens para o irmão gastar com bebidas, mulheres e
farras. Porém, “era o direito dele”, argumentava o pai. Aborrecido, decidiu
esquecer que seu irmão existia.
Neilson
estava como queria: rodeado de “amigos”, mulheres e de toda sorte de vícios.
Experimentou de tudo um pouco. Queria viver com a maior intensidade possível. Chegava
a passar noites acordado “para não perder tempo com o sono”, era isso que dizia
para os amigos interesseiros. Todavia, sem
se preocupar em investir em nenhum negócio e gastando “pra burro”, logo o
dinheiro acabou. Também acabaram as mulheres, os amigos e a possibilidade de
alimentar os seus vícios. Sem nada, começou fazer pequenos furtos e a apanhar
da polícia. Com medo de morrer de tanta pancada, parou de roubar e passou a
mendigar pelas ruas da cidade. Era expulso de vários estabelecimentos. Até
mesmo de uma igreja foi colocado para fora, pois os “obreiros”, que somente
introduziam no templo quem eles achavam “dignos”, diziam que “ali não era lugar
de sujeira”.
Um
dia, sentado na sarjeta, pensou: Quantos
trabalhadores de meu pai têm abundância de pão e eu aqui pereço de fome!
(Lc 15:17 - RC). Então tomou a decisão que mudou completamente a sua vida: Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e
dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser
chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. (Lc 15:18-19 -
RC).
Assim, trabalhou alguns
dias como catador de papel e de latinhas, arrumou o dinheiro da passagem e foi
para casa. Seu pai, que ficava todos os dias desde sua partida praticamente o
dia todo olhando pela janela e esperando a volta do filho, mal podia acreditar
no que avistava ao longe: o seu caçula. Tão logo confirmou que era realmente
ele, saiu correndo e o encontrou no caminho. O filho não conseguia olhar em seu
rosto, embora chorasse muito, mas o pai ergueu a sua face e, chorando muito também,
o abraçou fortemente e o beijou recebendo-o novamente em seu lar. As palavras
planejadas foram ditas e o pai muito se alegrou do arrependimento do filho.
Imediatamente, mandou que preparassem um banho e uma refeição caprichada para o
jovem e anunciou aos empregados que organizassem uma festa para comemorarem o
retorno do filho perdido.
Entretanto,
Otávio não gostou nada da notícia da volta do irmão e, ao chegar a casa depois
de mais um dia de trabalho, chamou o pai a sós e disse:
_ ...Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu
mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com meus amigos; vindo
porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as mulheres,
mataste-lhe o bezerro cevado! (Lc 15:29-30 - RC).
Ao que o pai respondeu:
_ ...Filho tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas; mas
era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e
reviveu, tinha-se perdido, e achou-se. (Lc 15:31-32 - RC).
Otávio
parou, pensou e disse:
_
Ainda não consigo aceitar este meu irmão de volta. Quem sabe um dia, pai. Ore
por mim.
Os
anos se passaram e os dois não se falavam. Bem que Neilson tentava, mas Otávio
fugia do assunto. Nada que o irmão dissesse ou fizesse tinha valor para ele.
Entendia seu irmão como um morto vivo: morto para ele, mas vivo para o seu pai.
Até que numa noite em que não conseguia dormir, Otávio passou pelo quarto do
irmão e ouviu, já que a porta estava entreaberta, a oração de Neilson por ele.
As palavras eram mais ou menos essas:
Querido Deus, peço que o Senhor toque no
coração de meu irmão para que ele me perdoe. Eu sei que errei, mas já me
arrependi. Faça com que ele entenda que o mais importante da vida cristã é o
amor; e que não existe amor sem perdão e reconciliação. Acredito num milagre e
confio no Senhor. Em nome de Jesus, amém!
Otávio
ficou profundamente tocado pela oração e foi para o quarto chorar. Na manhã
seguinte, um primeiro raio de sol brilhou na relação dos dois quando Otávio
sentou-se à mesa para o café com o irmão e com o pai, o que não acontecia desde
a chegada do irmão. Neilson ficou surpreso e feliz por dentro. Após o silêncio
do café, o irmão mais velho dirigiu-se ao caçula da casa e chorando falou:
_
Perdoa-me irmão! Eu fui um insensível e tolo ao não me alegrar com o seu
retorno. Mas ontem eu passei pela porta do seu quarto, que estava entreaberta,
e ouvi sua oração por mim. Não consegui dormir e passei a noite orando a Deus
para que Ele também me perdoasse. Você me perdoa?
_Mas é claro que sim! É o
que eu almejava todos esses anos após a minha chegada!
Ambos se abraçaram e o
pai, emocionado, mas orgulhoso de seus filhos, também os abraçou. O abraço, os
pedidos mútuos de perdão e mais o choro duraram uns quinze minutos e foi muito emocionante. Os dois filhos casaram-se
no mesmo dia, foi uma festança na fazenda. Cada um teve três filhos e seu pai
ainda conseguiu ver os netos.
Reflexão:
Há
muitos que todos os dias agem como o Neilson: deixam o seu lar paterno em busca
de aventuras. Também há muitos agindo como Otávio: não aceitando o retorno
daquele que um dia saiu de casa. Tanto os Neilsons quantos os Otávios da vida
estão perdidos: um perdido fora da casa do Pai e o outro perdido dentro da casa
do Pai. Um perdido por amar as paixões da carne e do o mundo, o outro perdido
por amar sua posição e seu status no Reino. Um perdido por se achar pecador
demais; o outro perdido por se achar santo demais. Um reconheceu o erro foi em
busca do perdão; o outro orgulhoso demais para liberar o perdão e também
reconhecer o seu erro.
A
vantagem é que entre eles existia um pai amoroso e capaz de perdoar tanto um
quanto o outro. Para Otávio, seu irmão estava morto, mas para o coração bondoso
de seu velho pai, Neilson agora é que verdadeiramente estava vivo. É sempre
assim: ainda que nossos irmãos, nossos pais, nossos filhos, nossos amigos ou
até mesmo nosso cônjuge não nos considerem vivos, sempre estaremos “vivinhos da
silva” para Deus, nosso Pai.
A
parábola do Filho Perdido (Lc 15) é a mais comovente história contada pelo
Mestre, pois retrata com muita propriedade a importância do poder do amor para
perdoar e reconciliar o que antes parecia irreconciliável. No entanto, nem
sempre praticamos a força do amor em nossas atitudes. Não podemos esquecer que
no momento em que Neilson mais precisava de ajuda, nem mesmo uma igreja abriu
as portas para ele. Não basta falar apenas sobre o amor. A mensagem mais
convincente em relação ao amor é praticá-lo. Também não devemos esquecer que,
aliado ao amor, operam juntas: a fé e a esperança. Logo, entendemos que para
que a transformação de Neilson e de Otávio fosse completa, foi necessário que
suas atitudes fossem cheias de: fé (crer que é possível mudar), esperança
(acreditar que o melhor virá com a mudança) e amor (amar incondicionalmente); os
três agindo em conjunto, só que, como o texto de I Co 13:13 e a história mesmo
anunciam: o mais importante ainda é o amor.
(Gilmar Cabral)
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