sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Romance - Nova Chance (Capítulo 1)

Resultado de imagem para despertador eletrônico 6 horas

Quem goza apenas do presente não sabe dar o correto valor aos benefícios da existência; quer o futuro quer o passado nos podem proporcionar satisfação; o primeiro pela expectativa, o segundo pela recordação; só que enquanto um é incerto e pode não se realizar, o outro nunca pode deixar de ter acontecido.

(Lucius Annaeus Seneca)

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            O relógio despertou às seis horas da manhã, como ocorria todos os dias, menos nos fins de semana. Ao deixar a cama desarrumada, foi lentamente fazer a sua higiene pessoal: um banho arrojado e uma bela escovada de dentes. Olhou-se no espelho do banheiro e, diferentemente do dia anterior, que foi um feriado, não viu uma imagem cansada e marcada pelos testes da vida. Ao contrário, percebeu-se mais jovem; rosto mais liso, sem acumular tanto os sinais do tempo e o desgaste da vida Pós-moderna. Antes de esquentar a água para o café, lembrou-se de olhar o seu celular para conferir se não necessitava de ser recarregado. Acionando o pequeno equipamento eletrônico, percebeu que não só estava funcionando como notou que a hora estava certinha: eram seis horas e trinta e cinco minutos da manhã, pois conferia com a do relógio pendurado na parede da sala.
            Surpreso, percebeu uma ligação feita há aproximadamente quinze minutos atrás, provavelmente não escutou o telefone tocar por estar no chuveiro, mas viu a identificação da chamada, o que o deixou ainda mais surpreso, pois descobriu que o número pertencia a uma colega de trabalho desaparecida há aproximadamente dois anos e nove meses. Tentando refazer-se do susto, passou a conjecturar: “talvez seja alguém que tomou posse do telefone ou mesmo do chip após o sumiço da colega”. Ou então, pensou que algum familiar tivera acesso ao telefone dela de alguma forma e agora resolveu usá-lo, acionando o número dele por acidente. Enfim, procurava uma explicação, respostas que fossem pelo menos plausíveis para aquele fato; não conseguia entender e dizia consigo mesmo: “é praticamente impossível que seja de Camily, já faz tempo que ela sumiu e até foi dada como morta pela Polícia!” Telefonou devolvendo a ligação, mas só escutava “fora de área”. Perturbado, Alisson observou que a data do dia estava errada, pelo menos é o que ele pensava. Era para ser dezesseis de novembro de dois mil e onze, mas no celular marcava vinte e sete de fevereiro de dois mil e nove.
            Pensou: “esse celular endoideceu!” Mas como começava a notar que as coisas não estavam muito normais, decidiu ligar a TV para confirmar a data certa: 16/11/2011. Ao ligar, logo constatou que a data estava confirmada, porém não a que permeava seu pensamento, mas sim a que incrivelmente ecoava em seus ouvidos, após ouvir a fala de uma apresentadora do telejornal da manhã: 27/02/2009. Sem café, sem chão e sem entender nada, sentou-se no sofá da sala e continuou a assistir à TV, tentando encontrar uma explicação lógica para o que estava acontecendo. Não achou. Achou sim a programação dos canais bem familiares, todavia, estranhas, não fazendo sentido, não tendo relação com o contexto daquele momento histórico. Por exemplo, o noticiário sobre os atos do poder executivo estava vinculado às ações do Presidente Lula e não às ações da Presidenta Dilma Rousseff. Não conseguia entender nada. Confuso, passava pelos canais e comprovava ainda mais a veracidade do dia inusitado; era realmente dia vinte e sete de fevereiro de dois mil e nove.
            Levantou-se do sofá e se dirigiu à cozinha para finalmente esquentar a água do café. Queria beber alguma coisa, sentir que tudo era real e não um sonho ou pesadelo. Notou a cozinha um pouco diferente, mas logo descartou que o que temia pudesse estar acontecendo; poderia ainda estar dormindo, sonâmbulo. Cogitou até se beliscar para comprovar se estava mesmo acordado, entretanto, desistiu achando ridículo esse procedimento. Alisson sempre foi assim: procurava manter o controle mesmo em situações difíceis ou embaraçosas. Este jovem de trinta anos, loiro, olhos azuis, pardo, solteiro e bem postado na vida; aliás, além da aparência agradável, outro ponto que contava para que muitas moças quisessem namorá-lo é, sem dúvida, sua estabilidade financeira. Trabalhava como gerente de marketing de uma grande Multinacional de acessórios para veículos de todas as marcas e linhas; um grande funcionário, aplicado no trabalho e eficiente na comunicação. Era muito extrovertido, mas sempre com cautela e bom senso, principalmente, no uso das palavras e dos gestos. Sabia que estava sendo constantemente observado por seus liderados e por seus superiores. Queria deixar sempre a melhor impressão e buscava isso no dia a dia da Empresa.
            Camily, a então amiga sumida, era gerente também na mesma Empresa, só que de produção. Moça bonita, morena, cabelos longos, mas sempre jogados para trás e presos, olhos castanhos, bastante introvertida e com falar terno. Ao oposto de Alisson, era muito mais calada e pensativa. Porém sabia gerir sua área como poucos. Não conhecia muito bem o Alisson, praticamente mantinha com ele apenas um relacionamento de colega de trabalho, embora participasse das mesmas reuniões sobre o andamento da Firma. Até tinha o seu número de telefone caso precisasse de um contato por causa de alguma questão do trabalho, como também dera o seu número a ele para este mesmo fim. Mas..., raramente ligavam-se. Isto também foi um dos motivos de espanto do rapaz ao ver o número de Camily em seu celular: “por que ela me ligaria? Quase não falo com ela? E a essa hora da manhã!”.
Tentando dar normalidade a tudo, aprontou sua refeição matinal, como sempre: uma xícara quase transbordando pelas beiradas com um café forte, bem preto, duas fatias de pães de forma tostados na torradeira e depois amaciados com uma saborosa e considerável passada de manteiga. Ainda tinha pedaços de queijo Minas e uma fatia de mamão. Às vezes, não foi o caso desse dia, ele substituía o café por um copo de suco de laranja, não o natural e feito na hora, mas sim o de caixinha. A novidade nesse dia ficou por conta da rapidez com que engoliu tudo e se aprontou para sair.
Ao abrir a porta de casa, se deu conta do dia bonito que estava a sua frente: com um céu azul praticamente sem nuvens e um lindo sol quente misturado com uma brisa suave que acariciava seu rosto; uma manhã bem diferente daquela do dia anterior, que fora um feriado chuvoso, inibindo a saída de casa. Alisson, mesmo assim, saíra a fim de aproveitar a folga. Pegou uma barca e foi até a ilha de Paquetá. Ele desejava conhecer esse lugar turístico, cenário que ambientou o romance A Moreninha do escritor Manuel Antônio de Macedo; livro que lera no Colégio ainda no Ensino Fundamental.     
Extasiado pela beleza daquela manhã tão em contraste com o céu cinzento do dia anterior, Alisson decidiu partir para o trabalho e tentar esquecer aquelas confusões de dias e horários, ou então procurar entendê-las, ir atrás de respostas.
Fechou a porta, abriu o portão de seu quintal que dá, ao seu carro, o acesso à rua; entrou no veículo, tirou-o de sua garagem improvisada, pois somente havia uma cobertura para o carro não ficar exposto ao sereno e ao sol. Saiu do veículo para fechar o portão (de certa forma aquela rotina era confortável mediante ao que estava vivendo, pois dava a ele sensações de normalidade), entrou novamente nele e dirigiu-se para o emprego com uma velocidade fora do normal para alguém sempre atento às regras do Trânsito. Queria respostas. Pensava em chegar e constatar que tudo não passava de uma falsa impressão.
Durante a rápida viagem, seu pensamento voava junto com o carro. Alisson queria chegar à Empresa, mas também encontrar possíveis explicações para o que estava acontecendo com ele. Conjecturava que chegaria lá e não encontraria Camily, pois estaria sumida e dada como morta. Também perguntaria sobre o dia, mês e ano e chegaria a respostas precisas e esclarecedoras. E, assim, tudo voltaria ao normal em sua cabeça.
Alisson começava a sentir em sua mente não apenas certo estranhamento com tudo aquilo que estava acontecendo, mas também uma espécie de medo de estar sendo refém de um tempo que não era o esperado, mas sim que passou, e, portanto, que não devia estar acontecendo novamente. Alisson precisava retomar os fatos em suas mãos, se sentir novamente o agente principal em sua história de vida e não mero coadjuvante, sendo conduzido pelo inesperado ator principal nesse enredo: o tempo. Seu desejo era o de buscar no seu local de trabalho, que era o ícone mais representativo de sua rotina semanal, a normalidade dos fatos e da sua vida.
Realmente, como ele esperava, não veria Camily na Empresa naquele dia, mas quanto a ser dada como morta...


(Mudanças bruscas e inesperadas revelam que nada está sob controle. O indivíduo muda constantemente assim como o mundo a sua volta não para de girar. Situações inesperadas levam a desiquilíbrios interiores, que podem marcar para sempre a vida da pessoa, levando-a a novas descobertas que tanto podem ser negativas quanto podem ser altamente positivas. Uma coisa ou outra irá depender do contexto, do tempo, das experiências adquiridas e das expectativas quanto ao que é novo).   

(Gilmar Cabral) 

















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