O tempo não se ocupa em realizar as nossas
esperanças: faz o seu trabalho e voa.
(Eurípedes)
2
Alisson chegou à Empresa e,
aparentemente, tudo normal. Estacionou o carro. Acenou para o seu José da
Portaria e caminhou até o elevador. Cumprimentou colegas de trabalho que subiriam
com ele para os andares superiores do prédio. Notou que havia alguma coisa de
diferente neles e eles o olhavam como que pensando a mesma coisa sobre ele.
Como ninguém falou nada, Alisson também nada falou.
Como o bom-senso contaminou a todos naquele elevador, saíram do “parador”
e Alisson, sozinho, dirigiu-se ao seu
setor de trabalho. Pouca coisa havia mudado. Alisson não gostava de alterar
muito o seu ambiente de trabalho, como, aliás, fazia em casa; ele dizia que
manter as coisas como estavam lhe dava mais comodidade e conforto para pensar
no Marketing da Empresa. Entretanto, logo observou que o calendário de sua mesa
estava marcando o dia 26/02/2009, ou seja, exatamente o dia anterior ao que ele
estava confusamente vivendo ou revivendo.
Sua equipe começou a chegar e a
cumprimentá-lo. Ele, como quem tentava se encontrar, foi logo falando:
_ Bom dia! Como foi o feriado ontem?
_ O povo o olhou surpreso e Tales, o
mais abusado da turma, disse:
_ Tás de brincadeira não é!?
_ Por quê? Não foi feriado ontem? –
retrucou Alisson.
_ Ah, Para com isso, cara! Tá doido
ou de gozação!? – devolveu Tales.
_ É sério gente! Ontem foi feriado!
– Alisson falou olhando para o povo todo.
_Olha só chefinho, ontem foi
quinta-feira, vinte e seis de fevereiro, e hoje é sexta-feira, vinte e sete de
fevereiro. Tomou todas ontem, cara, em plena quinta-feira!? – Tales falou com
muita ironia, tentando encerrar a conversa, mas também buscando o riso da
turma, o que aconteceu imediatamente.
Todo mundo riu, menos Alisson. Logo,
todos ficaram sem graça, Tales sentiu o clima desfavorável e calou o bico; logo
a turma decidiu começar o trabalho. Alisson, assustado com a confirmação de que
estava em outro dia e, pior, em outro ano, e isso de forma inexplicável, saiu
da sala e correu para o setor de Camily. Ele passou feito uma flecha pelo
corredor que dava acesso à sala de Camily, praticamente sem falar com ninguém. Ao
chegar, nem bateu na porta, foi logo entrando e constatando que a moça não
estava. Mesmo assim seguiu afoitamente perguntando por ela, ao que ninguém sabia
responder, a não ser uma assessora bem próxima que afirmava estar ligando para
a sua chefa e não conseguindo contato. Ela ainda disse que estava estranhando
muito a ausência de Camily:
_ Seu Alisson, ela é sempre a
primeira a chegar aqui na Empresa!
_ É..., realmente eu a vejo cedo
aqui quando chego. – confirmou Alisson.
_ Estou ficando muito preocupada! Já liguei para ela, mas somente dá fora
de área.
_ Há um telefonema dela registrado no meu celular hoje bem cedinho, por
volta das seis e vinte da manhã.
_ Para o senhor? E tão cedo assim? Estranho mesmo! Era para ela me ligar
caso precisasse de alguma coisa. É o que já combinamos. Se ela tiver alguma
dificuldade, deverá ligar para mim, seja que horas for. Não para o senhor!
Estranho!
_ Estranho mesmo! Tratar de negócios tão cedo, né! Está bem! Se tiver
notícias dela, avise-me porque agora eu também estou preocupado. Este é o meu
número (anotou numa folhinha retirando-a da mesa vazia de Camily e entregando-a
à assistente).
_ Está bem, senhor Alisson, qualquer notícia e eu o avisarei!
_Qual é seu nome mesmo, moça?
_Elizabeth.
_Ok! Elizabeth. Até mais! Mantenha-me informado.
Na verdade, a preocupação dele era outra. Já sabia do sumiço de Camily. O
que ele não entedia era a possível “volta” no tempo que estava acontecendo
consigo. Sim, apenas consigo, pois os outros pareciam estar perfeitamente no
seu tempo de vida. Isto o estava apavorando, porém tentava manter o controle.
Não disfarçou bem a confusão mental diante dos colegas de setor na Empresa, entretanto,
conseguiu encenar de forma convincente, demonstrando não estar passando por
nenhuma crise existencial, ao conversar com a assessora de Camily. Mas aqueles
momentos ainda eram muito confusos. Estava diante de uma encruzilhada: ou
continuava a não aceitar que recuara no tempo, tentando ignorar o que estava
acontecendo ou aceitava que havia realmente recuado no tempo e tentaria se
adaptar aos antigos padrões e situações, todavia também buscando saber o que
aconteceu e por que isto tinha acontecido. Em outras palavras, tentaria
encontrar um propósito em tudo isso.
Havia ainda uma terceira via: a possibilidade de reconhecer que este era
o seu tempo realmente presente (portanto sendo vivenciado agora) e que os mais
de dois anos há frente (possivelmente já vividos) seriam sonhos ou fantasias.
Vale dizer que esta alternativa não frutificou na mente de Alisson. Não a
aceitava de forma alguma. Era inacreditável! Dois mil e onze era o passado (presente
já vivido) e, ao mesmo tempo, o futuro para Alisson. Já dois mil e nove seria o
passado e, ao mesmo tempo, o presente para ele agora. Dois mil e onze era o presente
que se fez passado, sendo um futuro que já foi vivido. Dois mil e nove é o
presente para todos ali naquele tempo, embora fosse passado para Alisson.
De todo jeito, Alisson estava vivenciando uma espécie de viagem no tempo.
Presente, passado e futuro estavam fundidos num tipo de presente inusitado,
onde pensamentos, sentimentos e lembranças antigos se misturavam em
pensamentos, sentimentos e sensações vivenciados naquele momento de vida. Ao
mesmo tempo em que isto era estranho, era fascinante. Por alguns instantes,
Alisson se achou um privilegiado por estar tendo a oportunidade de vivenciar
essa experiência de mistura de tempos em sua vida. Com certeza isto lhe daria
também a chance de refletir sobre sua história e seus sentimentos.
Confuso, Alisson saiu da Empresa. Não conseguiria trabalhar naquele dia;
talvez mais em nenhum dia. Precisava ausentar-se para pensar, colocar as ideias
em ordem. Saber o que fazer. Andou pelas ruas de perto do trabalho. Nem pegou o
carro. Necessitava de olhar as coisas com calma. Ver as pessoas no seu dia a
dia. Quem sabe achar um pouco de normalidade em tudo que acontecia. Tentar
entender. Parou em frente a uma loja de eletrodomésticos e fixou os olhos nas
TV´s ligadas. Todas evidenciavam nos anúncios que ele não estava em dois mil e
onze. Percebeu a presença de um rapaz bem arrumado a sua volta e viu que era um
vendedor da loja.
_Posso ajudá-lo em alguma coisa, senhor? – disse o atento vendedor.
_ Não, obrigado eu só estou olhando... bem... posso fazer uma pergunta?
_Sim, claro meu senhor.
_ Pode parecer estranho, mas... em ... que .... ano nós estamos?
_Como? – o vendedor não queria acreditar que havia escutado uma pergunta
dessa.
_ Em que ano... nós estamos? – Alisson repetiu a pergunta, ainda mais
constrangido.
_ Bem, (rsrsrs) o senhor está falando sério?
_ Sim (rsrsrs sem graça).
_ Dois mil e nove.
_ Dois mil e nove...? – Alisson repetiu com um desânimo...
_ Isso (rsrsrs)!
_ Obrigado!
E Alisson saiu apressadamente não olhando para trás e nem dando chance do
rapaz oferecer a ele uma TV de LED, 52’.
Era fato. Não estava sonhando. De alguma maneira ou por alguma causa
ainda desconhecida por ele, sua vida tinha regressado no tempo mais de dois
anos. Sentou-se num banco de uma praça ali por perto e continuou a pensar. Das
duas possibilidades: não aceitar ou aceitar a mudança e buscar respostas,
apenas esta fazia um pouco de sentido, isto é, a de tentar se adaptar para compreender
o que aconteceu ou como aconteceu e que finalidade havia em recuar no tempo.
Talvez a situação de Camily pudesse ser a resposta. Seu sumiço, algo que seus
colegas de trabalho desconfiavam, mas ele, Alisson, sabia que seria duradouro e
misterioso. Afinal, deveria haver alguma ligação entre o telefonema de Camily e
a súbita constatação do retorno no calendário.
Achava-se relativamente pronto para as questões que permeavam seus
pensamentos. As perguntas seriam: como adaptar-se novamente há um tempo já
vivido e que agora se mostrava completamente novo? Como voltar a viver os
mesmos momentos se ele não era mais o mesmo? Será que conseguiria vivenciar
novos momentos num tempo já vivido? As respostas ele teria que buscar vivendo.
Para os outros, esse tempo era o presente (tendo em vista que eles não sabiam
que já haviam vivido aquele tempo), mas para Alisson era um tempo antigo com
uma nova oportunidade de ser vivido; um novo tempo dentro de um tempo que já passou.
A priori, somente Alisson sabia que aquele presente já havia acontecido e que
ele podia ou pensava que podia de alguma forma alterá-lo. O ano de dois mil e
onze havia sido presente, todavia agora era um passado no presente e um futuro
incerto.
Alisson começava a perceber que para descobrir as respostas da vida, era
imprescindível descobrir primeiro as perguntas certas a serem feitas, pois,
assim, fazendo as perguntas corretas, ele poderia, quem sabe, encontrar as
respostas apropriadas.
Alisson vivia sozinho em sua casa. Falar com os parentes? Com os amigos?
Poderiam achá-lo louco. Tem assuntos que nem mesmo com os parentes e amigos pode-se
compartilhar. Eles não vão entender.
O jeito era encontrar um propósito naquilo tudo e alguém para
compartilhar uma possível solução. Mas quem? Novamente Camily poderia levá-lo
às perguntas corretas e, assim, às respostas. Precisava voltar para o trabalho
e conversar um pouco mais com a assistente e melhor amiga de Camily.
(O silêncio muitas vezes torna-se o elemento mais revelador de todos.
Olhares, gestos e até mesmo a vestimenta dizem muita coisa sobre quem somos e o
que estamos passando. Mesmo que não se tenha o poder da mente dedutiva de
Sherlock Holmes – o personagem investigador britânico mais famoso da literatura
mundial –, é possível fazer leituras de fatos e de pessoas pelo que se vê, se
cheira, se ouve e se toca.
Todo tempo seja ele passado, presente ou futuro é tempo de reflexão sobre
a vida e sobre os sentimentos. Portanto, todo dia é momento dessas práticas: a
cada manhã, tarde e noite o passado, o presente e o futuro se revelam e assim
uma nova chance para se refletir e mudar ou se adaptar à mudança. Toda manhã é
presente que será logo passado ao cair da tarde, e, esta será presente e
passado, quando a noite chegar. A noite
será o futuro da manhã e da tarde, mas passado da manhã que novamente nascerá.
Logo, cada dia é um resumo simbólico da vida e do tempo.
A Vida e o mundo se desenvolvem através das perguntas. São elas que movimentam
o mundo e as pessoas para acharem as respostas. As indagações da vida a tornam
mais interessante e estimulam o ser humano a sair da zona de conforto, a
procurar soluções para os problemas.)
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