segunda-feira, 21 de março de 2016

Romance - Nova Chance - Capítulo 4

Resultado de imagem para diário sobre a escrivaninha branca

...Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio,
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho
A casca dourada e inútil das horas...
(Mário Quintana)


            Chegando até sua casa, Alisson só queria descansar. Fora um dia cheio e havia a expectativa angustiante do que aconteceria quando ele voltasse a adormecer. Novamente sua cabeça se enchia de perguntas. Dependendo de quando acordasse como reagiria? Continuaria a procurar Camily e um sentido para sua nova vida? Ou se conformaria com a “morte” da colega e entenderia que tudo não passou de um surto, um sonho incrivelmente real e inusitado?
Por alguns instantes, deixou de pensar em seus dilemas existenciais e passou a se preocupar com algo mais prático, como tomar um bom banho. Dirigiu-se ao banheiro, abriu o chuveiro e, tirando a roupa, lançou-as no cesto de roupas sujas e embarcou nas águas frias. Deixou que a água escorresse pelo seu corpo como que levando toda aquela inquietação e apreensão pelo que poderia acontecer no dia seguinte. Tomou um banho “daqueles”, sabe, daqueles que parece não ter hora para acabar. Acho que se ele pudesse lavaria não apenas o seu corpo, mas também a sua alma. Logo vieram, ainda debaixo do chuveiro, as imagens da mesa solitária de Camily e o livro Sagrado sobre ela.
Alisson não era religioso, porém seus pais sempre frequentavam a missa numa igreja Católica perto de casa e o levavam com eles, quando ainda era pequeno. Ele Tinha valores cristãos injetados em sua mente por seus pais, todavia nunca se importara, ao crescer, em seguir a religião de seus progenitores. Seu negócio era trabalhar e curtir a vida. Entretanto, aqueles últimos acontecimentos haviam abalado um pouco essas convicções de que a vida seria somente trabalho e curtição. Poderia haver algo a mais: as respostas... A imagem do livro Santo dos cristãos agora o perturbava: “será que nele estão as respostas?” Rapidamente, tentou mudar os pensamentos e, saindo do boxe, passou a se enxugar já transferindo seus pensamentos para alguma coisa que faria para se alimentar; pois, estando em dois mil e onze ou dois mil e nove, seu apetite continuava o mesmo, pelo menos isto ele tinha certeza de que não havia mudado.
Vestiu-se e foi para a cozinha preparar algo. Já eram oito horas da noite. Foi para a sala com o prato de estrogonofe requentado, que ele não sabia como apareceu ali na geladeira dele já que não se lembrava de haver jantado na noite anterior. No entanto, estava gostoso pra caramba! Aproveitou e parou de se perguntar de onde a comida viera.
Quando se preparava para ligar a TV, entre uma garfada e outra de estrogonofe de frango, a campainha tocou. Alisson pensou: “essa não! Será algum vizinho chato?! Mas pode ser Elizabeth com alguma notícia ou mesmo Camily, bem, mas elas não sabem meu endereço...”
E a campainha tocando que era um inferno! A verdade, é que quem quer que fosse, “largou o dedo” na sirene. Alisson, aturdido como o barulho, gritou:
_Já vai! Espera! Acabei de chegar do trabalho!
Deixou o prato com algum resto de comida sobre a mesa de centro da sala e abriu a porta; nem sequer teve a prudência de olhar pelo olho mágico para ver quem era antes de abrir e, em se tratando de quem era, ele poderia se preparar para a... surpresa! Alisson, espantado ficou, e não reagiu. Era Alexia, sua ex-namorada, quer dizer, sua antiga ex, mas que agora era de novo ou sem nunca deixar de ter sido (que confusão!) sua namorada. Ela entrou igual um vulcão e foi logo despejando em cima de Alisson:
_Francamente, seu Alisson! Não entrou em contato comigo desde terça-feira à noite, quando saí daqui após fazer seu prato predileto (o estrogonofe lembra? Aí Alisson descobriu de onde surgiu a comida na sua geladeira). É isso que você quer né? Uma empregada quando nos casarmos e não uma esposa. Por que não atendeu a nenhuma chamada minha hoje!? Passou o dia sem sequer pensar em mim não é!? Ainda vem me dizendo, por esses dias, que deseja oficializar a nossa relação com um noivado! Que noivado coisa nenhuma!
Alexia sentou-se abruptamente no sofá da sala e procurou se acalmar um pouco diante da inércia de Alisson ao ouvi-la. Ainda com a cara fechada e fazendo alguns resmungos, a jovem loira, de pele sardenta e bem formada de rosto e de corpo, dirigiu-se a ele:
_Como é que é!? Você não tem nada para dizer!?
O assustado espectador apenas reagiu brandamente:
_Desculpe-me! É que eu tive um dia difícil hoje e acabei por esquecer-me de falar contigo, embora tenha pensado em você hoje (o que era verdade, ainda que não da forma que Alexia teria gostado). Acho que me atarefei com as coisas do dia após o período da manhã e não vi nenhuma chamada no celular. Posso sentar-me ao seu lado?
_É claro! Afinal, a casa é sua. Sempre com essas desculpas! Francamente, não sei se o nosso relacionamento vai durar muito (na mente de Alisson, aproximadamente dois anos e alguns meses ainda). Caramba! Por que você é sempre tão esquecido quando o assunto é sua namorada? Eu gosto muito de você Alisson, mas é preciso que você se importe mais comigo, me valorize mais.
_Eu sei Camily....êpa.... quer dizer Alexia!
_O quê!? Quem é essa Camily!? Então é com essa desavergonhada que você está me traindo!?
_Espera aí, Alexia! Não é o que você está pensando! Eu não tenho outra garota! Camily é uma colega de trabalho que sumiu e eu e a sua assistente lá da Empresa ficamos praticamente o dia todo procurando por ela...
_Ah! E qual das duas você tá “pegando!?”
            _Alexia!..., não estou pegando ninguém! Você é realmente muito difícil de entender as coisas! Provavelmente eu falei o nome de Camily por ter me preocupado o dia todo em encontrá-la, e se você pudesse parar para me ouvir um pouquinho só, eu poderia explicar isso melhor.
            _Não tem explicação, Alisson! Você cometeu o que eu estou aprendendo na Faculdade de Psicologia: cometeu um “ato falho”: quis dizer Alexia, porém seu inconsciente aflorou na consciência culpada saindo da sua boca Camily. Por hoje chega, cara! Boa noite! Sonhe com a Camily! Com a assistente dela! Ou com outra safada qualquer! Homem é tudo igual!...
            Alexia saiu mais abruptamente do que chegara batendo a porta com força e esbravejando: “homem é tudo igual!” “Tudo igual! Não pode ver mulher! Não pode ver uma saia que quer logo correr atrás!”...
            Alisson sentou-se lentamente no sofá ocupado pela namorada há instantes e suspirou, pensando consigo: “por isso que não deu certo e nem nunca dará!” Vencido pelo cansaço e desgaste do dia, mas ainda faminto, tentou recomeçar de onde havia parado, ou seja, continuar a comer a comida feita por Alexia, todavia, não conseguiu, estava fria e sem gosto, como seu relacionamento ou antigo relacionamento com ela. Finalmente, ligou a TV, mas para tentar esquecer a discussão de minutos atrás do que para usufruir dos programas. Pensando em já ir deitar, percebeu que o noticiário do Jornal da Noite anunciava as primeiras medidas do primeiro cidadão americano afrodescendente a assumir a Presidência dos Estados Unidos da América, o senhor Barack Obama. Alisson pensou: “eu assisti a posse dele!” “Realmente foi emocionante! Sei exatamente tudo que aconteceu. Peraí! Se eu sei o que aconteceu na posse e nos primeiros dias do governo Obama, eu posso saber os resultados da loteria, loto, esportes,... Êpa! Posso ficar milionário!” Entretanto, logo seu entusiasmo se esfriou ao perceber que não tinha guardado nenhum resultado de nada e que não acompanhava os esportes, mal sabia que time havia sido o campeão brasileiro de 2009. Murchou!
            Logo o sono veio. Pesado de um dia cheio, Alisson adormeceu ali mesmo no sofá, sem sequer fazer sua tão preciosa higiene bucal.

            Ao acordar, percebeu que a TV ficara ligada e logo notou os raios de sol entrando pela janela, que ainda estava entreaberta, como havia deixado ontem. Espreguiçando, levantou-se e se encaminhou para o banheiro, a fim de aliviar a bexiga e banhar-se, escovar os dentes, limpar-se; preparar-se para um novo dia. Tomou banho e vestiu-se, ao olhar no espelho, escovando os dentes, lembrou-se do dilema vivido no dia anterior e, rapidamente, deixou a escova em cima da pia do banheiro e correu para ligar novamente a Televisão. Desejava confirmar qual dia era aquele. Tão logo olhou o rodapé do noticiário do canal de notícias a cabo, informou-se que aquele dia era precisamente vinte e oito de fevereiro de dois mil e nove. Não sabia se sentia alívio ou se ficava ainda mais perturbado. O fato é que, de certa forma, essa informação trouxe algumas certezas: poderia agora acostumar-se ao tempo de 2009 e ir à busca das respostas às perguntas que atormentavam sua mente, e também tentaria reaproveitar essa “oportunidade” que a vida, por alguma causa específica, o estava dando de viver o “mesmo" tempo duas vezes.

            Dirigindo-se para o seu quarto e já pensando trocar de roupa para sair, lembrou-se também de que combinara com Elizabeth e o investigador Clayton de irem até a casa de Camily para fazer uma investigação no local. Recordou que a hora marcada na casa de Camily seria nove horas da manhã. Olhou apreensivo para o relógio de corda antigo em cima da cômoda em frente à cama e constatou que eram oito horas e quinze minutos da manhã, algo que Alisson confirmou olhando também a hora registrada no rádio-relógio da cabeceira de sua cama. Foi para a cozinha colocando os assessórios da roupa; preparou um copo de leite com achocolatado, pegou umas rosquinhas de sabor côco e alimentou-se quase já saindo para não se atrasar. Desta vez, nada de café e de suco de laranja, Alisson necessitava de algo que desse a ele mais consistência.            
            Pegou o carro e partiu a toda para a casa de Camily. Estava apreensivo com a possibilidade de errar o caminho, pois só havia ido até lá uma vez exatamente no dia de ontem. Encontrou perfeitamente as ruas que davam acesso à casa de Camily; o pensamento passou a ser tomado por ela, por sua obsessão em encontrá-la e pelo desejo de encontrar respostas para reequilibrar a sua vida. Nem se lembrava da difícil conversa com Alexia, a verdade, é que já a tratava interiormente como uma estranha, como alguém que não mais fazia parte de sua vida.         
            Ao chegar, notou que Elizabeth e o investigador Clayton já estavam esperando por ele. Olhou para o relógio no celular e viu as chamadas de Alexia não correspondidas, também viu que ele estava quinze minutos atrasado. Sem graça, saiu do carro, depois de estacionar, e logo foi pedindo desculpas pelo atraso.
            _Desculpem-me gente! E obrigado por me aguardarem antes de entrar.
            _Tudo bem! – respondeu Camily.
            O investigador apenas consentiu com a fala de Elizabeth balançando a cabeça positivamente. Mas quebrou seu silêncio dizendo:
           _Ok! Vamos entrar!? Como eu sou policial, essa varredura na casa da senhorita Camily passa a ser oficial. Vamos?
            _Vamos! – ambos responderam.
            _Que calor hoje! – disse reclamando seu Clayton.
            _Fique em paz, lá tem ar-condicionado – confortou-o Elizabeth.
            Eles entraram pelo portão e prontamente o vizinho, o velho sabedor da vida dos outros, apareceu:
            _Ei! Vocês são parentes da moça?
            _Bom dia, meu senhor! – falou ironicamente Elizabeth, como quem denunciava a falta de educação e a atitude intrujona do coroa.
            _Bom dia! Mas quem são vocês?
            _Somos amigos da Camily. – disse Alisson.
            _Os da igreja dela?
            _Não, os do trabalho dela. – retrucou a já irritada Elizabeth.
            _Ah! Peraí! Vocês dois estiveram aqui ontem, não é mesmo?
            _Sim... estivemos (os dois responderam afinados como uma dupla sertaneja).
            _E esse aí? – o velhinho apontou para o investigador Clayton.
            Clayton, mais impaciente do que os dois, logo foi dizendo:
            _Eu sou da polícia! Olha aqui o meu distintivo e carteira. Agora volta pra cama coroa ou então vai regar as plantinhas vai!
            _Que homem mal educado! Façam o que quiserem! A casa não é minha mesmo!...
            O coroa entrou muito aborrecido e resmungando, porém os três agora poderiam fazer o que estavam planejando sem interrupções. Como Camily a instruíra, Elizabeth foi até o vaso de plantas sobre o pequeno muro que ladeava a varandinha e achou a cópia da chave da casa. Entraram. Tudo parecia normal. A casa estava limpa e aparentemente arrumada. Era uma residência pequena, mas bonita com: sala, dois quartos, cozinha, uma pequena área de serviço e um banheiro. As paredes muito bem pintadas na cor palha com texturas na cor areia em pelo menos duas delas. O teto era branquinho com detalhes decorativos em de gesso. O chão de tábua corrida muito bem envernizada, menos no banheiro e na cozinha, estes tinham lindos pisos de cerâmica nas cores marrom e bege. Os móveis de formato colonial se contrastavam com os aparelhos domésticos de última geração. Todos observaram a limpeza e a arrumação da casa, mas Elizabeth não apenas ficou na observação e aproveitou para elogiar a chefa e amiga:
            _Realmente Camily é muito organizada. Olha só que arrumação e limpeza! Que bom gosto! Tudo simples, porém muito bem cuidado.
            Alisson também não deixou por menos e elogiou a colega de trabalho:
            _É..., ela tem muito bom gosto para móveis e para arrumá-los. Parece que ela sabe onde cada coisa deve ficar. Aproveitou e, antes que o inspetor Clayton reclamasse do calor, ligou o ar-condicionado da sala.
            O detetive Clayton não perdeu tempo com elogios (isto não era a sua “praia”) e foi logo futicando tudo. Começou pela sala, todavia, após uma rápida olhada, partiu para o quarto da jovem dizendo em alta voz para que os outros dois o ouvissem:
            _É no quarto que geralmente encontramos elementos para a investigação, pois é lá que as vítimas ou culpados deixam suas pistas, seus segredos e confissões.
            Nem Elizabeth e nem Alisson estavam interessados em aula de processo investigativo, o que eles desejavam era encontrar algum vestígio do que acontecera com Camily. Entretanto, confiavam que o investigador sabia o que estava fazendo e seguiram-no até o quarto.
            Lá, Elizabeth foi logo ligando o “ar”. Seu Clayton foi direto para uma escrivaninha que ficava em frente à cama da jovem, bem abaixo da janela do aposento. Olhou rapidamente o que estava por cima e, não dando importância, abriu a seguir as gavetas do móvel e remexeu em tudo. Parecia que tinha uma espécie de faro que encontraria algo importante. Enquanto isso, Elizabeth se encantava com um ursinho de pelúcia em cima da cama, que reconhecera como sendo um presente que ela mesma havia dado à Camily pelo seu aniversário naquele mesmo ano. E Alisson, também se aproximando da cama, percebeu a ternura e a sensibilidade de Camily não somente pelo ursinho, mas especialmente pelo formato e textura da colcha que forrava a cama, além da delicadeza dos móveis na cor branca e das paredes, estas pintadas de rosa bebê. O teto era branco com detalhes em lilás nos cantos. Ao chegar até à escrivaninha, diferentemente do investigador Clayton, que praticamente esquecera a parte superior do objeto, entretendo-se com um diário encontrado nela, Alisson olhou atentamente os utensílios e as posições que estes ocupavam na superfície de madeira branquinha. Notou que havia uma luminária ao centro, porém perto da parede e da janela. Um pouco distante deste objeto, mas bem mais próximo de onde repousaria a mão direita da moça, havia um bloco para anotações; e no outro lado, correspondente ao posicionamento da mão esquerda de Camily, encontrava-se um copo estilizado que servia como porta-canetas, lápis, marcador de textos, etc.; acima deste, um exemplar da Bíblia aberto e com o texto marcado com grafite. Alisson viu que existiam mais objetos sobre a escrivaninha, entretanto não apresentavam importância, embora fossem bonitos, decorativos. Pelo menos é isso que ele pensava. Encostada à mesa, estava a cadeira de madeira trabalhada, acolchoada também branca e rosa; uma espécie de trono para aquela princesa. Alisson apoiou as mãos no encosto da cadeira imaginando as intermináveis noites em que Camily deveria ter ocupado aquele assento para escrever coisas do coração. Sua fluidez de pensamento foi interrompida com o sinal feito pelo investigador para que chegasse onde ele se encontrava.            
            O detetive Clayton chamou os dois para um canto do quarto e disse:
            _Creio que encontrei algo relevante: este diário – falou mostrando o objeto revelador da vida de Camily e já procurando uma lixeirinha ali no quarto para cuspir, seu velho hábito. Deu sorte, porque a organizada dona da casa sempre deixava uma lixeirinha perto de um dos lados da escrivaninha. Elizabeth e Alisson fizeram cara de interessados e, ao mesmo tempo, de assustados (não com o cuspi, pois já estavam se acostumando com esta prática do investigador) com a firme posição dele de vasculhar a alma da desaparecida, ler suas intimidades. Ao que Elizabeth se pronunciou firme:
            _O senhor não está pensando em ler o que está escrito aí, né?
            _Eu preciso ler querida. Preciso saber se não há alguma revelação aqui que possa nos levar até ela ou, pelo menos, nos fornecer alguma pista do que aconteceu com ela.
            _Mas é indelicado ler as intimidades de alguém! Será que a pessoa a ler não possa ser eu? Pois sou, até onde me conste, a melhor amiga dela, e sei que muita coisa que está aí é de meu conhecimento. Assim, essa atitude bisbilhoteira, desculpe-me, não seria tão invasiva!
            _Pode até ser, embora reconheça também que pode haver segredos aqui que nem a você ela contou. Digo isso porque, ainda que eu não tenha diário, tenho segredos que nem minha mulher sabe, pois mesmo não sendo um safado e nem adúltero, se ela tomar conhecimento de certos pensamentos ou mesmo atitudes que tenho, é possível que nosso relacionamento acabe (e tome-lhe cuspe). No entanto, tem razão: é melhor que você leia. Porém, saiba de uma coisa: se encontrar no texto alguma referência à perseguição, à ameaça ou a informes de dívidas ou de maus relacionamentos com alguém, me comunique imediatamente. Tome! Leve a agenda com você e leia o mais rápido possível.
            _Está bem detetive. Somente poderei ler na minha hora do almoço e depois completar a leitura em casa. Vou até mesmo dizer ao Roberto, meu namorado, que hoje não vai dar pra gente sair; esse caso é muito importante.   Durante à tarde, não posso ler, pois, sem a Camily na Empresa, eu necessito voltar para lá a fim de “tocar” a sua área de trabalho. 
            _Ok! – Disse o investigador admirado com a cumplicidade da funcionária com a sua chefa.
            Durante todo esse diálogo entre o investigador e Elizabeth, o envolvido Alisson havia voltado para perto da escrivaninha para observar mais atentamente a Bíblia aberta e marcada, e uma foto de Camily num porta-retratos também estilizado, postado bem abaixo da luminária, um pouco escondido por causa do suporte que sustentava a lâmpada. Contudo, com um olhar cada vez mais atento a tudo que pertencia à Camily, Alisson agora havia captado a foto e a terna beleza da jovem, mais iluminada do que nunca num sorriso gostoso, aparentando uma moça feliz. Essa mistura de beleza física, qualidades de uma eficiente executiva e boa dona de casa, com uma reveladora beleza interior, estava mexendo muito com os sentimentos de Alisson. Voltando à realidade, fixou-se na Bíblia e, sem que Elizabeth e Clayton percebessem, apanhou uma folha do bloco que estava sobre a escrivaninha, pegou uma caneta dourada de tinta lilás do porta-canetas, e anotou a referência do texto:  Isaías 38:1-8. Achou que aquilo tinha relevância, embora não fosse o investigador ali. Além do mais, se Camily era realmente tão religiosa como Elizabeth mencionava, era provável que aquele havia sido o último texto lido e estudado por Camily. Então tinha importância. Tudo referente à Camily passou a ter muita importância para Alisson. Colocou sutilmente o papel no bolso e falou aos demais:
            _Então gente! Podemos ir?
            _Sim. – disse Clayton, observando o aceno positivo com a cabeça de Elizabeth.
Passaram rapidamente pela cozinha (um assombro de limpeza e arrumação), pelo banheiro e o outro quarto desativado, nada de estranho. É claro que, antes de saírem da casa, Clayton deu outra cuspidinha de leve.
            Saíram. Elizabeth imediatamente desligou os aparelhos de ar-condicionado e fechou a porta. Desta vez, levou a chave. Clayton lembrou novamente que Elizabeth deveria ler o diário e informá-lo caso alguma pista aparecesse. Disse que ela poderia entrar em contato com ele a qualquer hora se não entendesse algo ou se desconfiasse de alguma informação ali presente. Já Alisson foi embora com a imagem de Camily (a da foto) presente em sua mente assim como as informações recolhidas na Bíblia aberta. No entanto, o que havia no diário agora já o interessava muito.  Clayton foi para a Delegacia, e Elizabeth, com Alisson, voltou para a Empresa.


  

(Certamente que viver o mesmo tempo duas vezes não é um privilégio para pessoas comuns. Na verdade, este fato está mesmo no campo da impossibilidade. De alguma forma esta história revela essa possibilidade. Isto é algo fascinante. Já pensou no que faria se pudesse viver o mesmo tempo duas vezes ou voltar no tempo? O fato é que nunca poderá haver dois tempos iguais. Viver o mesmo tempo duas vezes não necessariamente quer dizer realmente vivê-lo em toda plenitude novamente.
O ser humano é diferente a cada instante. A cada momento o indivíduo muda, não é o mesmo. As circunstâncias também. Fatos que se repetem, na verdade, não se repetem integralmente, mas apenas aparentemente. Assim, embora o homem seja prisioneiro do tempo, é, ao mesmo tempo, livre deste no sentido de ser diferente e viver circunstâncias diferentes ainda que vivendo um tempo semelhante ao já vivido.
Alisson não é mais o mesmo de dois mil e nove, se é que já viveu o ano de dois mil e nove. As circunstâncias também não são as mesmas, e nem as pessoas com as quais se relacionava são as mesmas. Quando dois mil e onze chegar, Alisson certamente não será o mesmo que se apresenta nesse tempo que ele pensa ser dois mil e onze, mas que se revela a ele como dois mil e nove. O fato é que nem o tempo pode conter ou evitar a multiplicidade do ser humano no plano da existência.)


(Gilmar Cabral) 

























































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