segunda-feira, 4 de julho de 2016

Romance - Nova Chance cap. 5


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De que são feitos os dias?
_ De pequenos desejos,
Vagarosas saudades,
Silenciosas lembranças...
(Cecília Meireles)


            Os dois carros chegaram ao pátio da Firma praticamente ao mesmo tempo. Alisson em seu corsa sedã 2009 e Elizabeth em seu Pálio Weekend 2007. Dirigiram-se para a entrada da Empresa conversando sobre a visita à casa de Camily e os rumos da investigação. Na verdade, apesar da preocupação, eles estavam com um sentimento de grande expectativa e de excitação por estarem participando ativamente de uma investigação tão séria. Cada um foi para o seu setor.
           
A Empresa Andrews S/A Fabricação e Comércio de Autopeças foi fundada em 1970, trabalhando sempre com a fabricação e distribuição de peças para automóveis e caminhões multimarcas.
            Em 2006, a Empresa já contava com filiais nas capitais das Regiões Sul e sudeste do Brasil. Sua sede administrativa ficava no Centro da Cidade do Rio de Janeiro. A firma possuía 25.000 quadrados de área para depósitos, 400 empregos diretos e 150 empregos indiretos, com 45.000 itens. Possuía milhões de clientes no Brasil. Em janeiro de 2009, o seu quadro de acionistas era extenso e muito atuante nos processos decisórios da Firma. A administração era rígida e altamente profissional.   
           
Elizabeth, como já havia passado antes na Empresa para adiantar o expediente, sabia que agora era somente acompanhar o desenrolar dos programas que deveriam ser “tocados" naquele dia. Alisson, como não tinha feito a mesma coisa, estava abarrotado de trabalho, mesmo tendo uma equipe muito eficiente. Ele bem que tentou “meter” a cara no serviço para dar mais normalidade ao seu dia, porém, o caso “Camily” dominava seus pensamentos.
            Como Alisson estava ali na Empresa, os companheiros de “batalha” não queriam nem saber se estava passando por crise existencial, pessoal ou o que quer que fosse; eles aproveitaram para sugarem a sua presença no trabalho. Começaram a trazer uma “montanha” de campanhas de marketing que estavam aguardando o seu aval para irem à mídia. Na medida do possível, Alisson aprovava ou rejeitava o material de divulgação.
Numa parada para o cafezinho, lembrou-se de Alexia. Sabia que ela ficaria pelo menos uma semana para procurá-lo novamente. Era assim o comportamento dela quando brigavam. Isso daria tempo para ele pensar no que faria com esse relacionamento e poderia dedicar-se a ajudar a encontrar Camily. Entretanto, ao pensar em Alexia, lembrou-se exatamente o mês em que terminaram: setembro de dois mil e onze. Perturbou-se com a possibilidade de não poder, por força do destino, antecipar o desfecho daquela relação que já não mais tinha razão de ser. Ficou curioso para saber se conseguiria ou se o destino o impediria de antecipar os fatos. Ele sabia o mês da separação porque ocorrera exatamente um mês após a morte de sua mãe; inclusive, algo que o entristeceu muito já que Alexia não teve consideração por sua tristeza e luto, decidindo terminar tudo quando ele ainda estava fragilizado e num momento em que mais precisava de apoio.
            Pensando nisso, nessa atitude até certo ponto desumana de Alexia, de repente, foi tomado por um pensamento incrível e assustador, embora estimulante: se sua namorada havia terminado o relacionamento entre eles um mês após o falecimento de sua mãe, isto indicava que sua mãe falecera em agosto de dois mil e onze, precisamente (agora veio tudo à tona na sua consciência), no dia 13 de agosto de 2011. Logo, como estava em 2009, sua mãe ainda estava viva.
            _Viva! Viva! – dizia em voz alta e vibrante de alegria.
            O povo de seu setor não entendeu nada, mas Alisson falava cada vez mais forte:
            _Viva! Minha mãe está viva! Vivinha da silva!
            Atabalhoadamente, Alisson saiu pelo corredor até o banheiro, tirou o telefone celular do bolso e dizendo consigo mesmo “como não me lembrei disso a bem mais tempo!?” Nervoso e emocionado, ligou para a casa dos pais. Dizia: “atende, por favor, atende!” Até que alguém do outro lado disse:
            _Alô! – era seu pai, senhor Jonas, um coroa de setenta e um anos, aposentado após trabalhar quarenta anos como mecânico de uma grande montadora de carros.

O gostar de carros era um “mal” de família. Tanto Alisson quanto seu irmão Arthur, irmão mais novo de vinte anos, gostavam muito de carros não só de dirigir, mas também de trabalhar com isso, de lidar com as coisas automotoras. O irmão mais novo estava empregado na mesma Empresa em que o pai havia dedicado muitos anos de sua vida e Alisson estava envolvido com o marketing de acessórios para veículos; tudo bem familiar. Já a mãe, a senhora Carmem, era uma boa dona de casa com seus sessenta e cinco anos (essa era a idade de seu falecimento em dois mil e onze, portanto se ela estivesse viva, teria sessenta e três anos) de vida exemplar e uma boa esposa. Católica praticante, não perdia uma missa. Tentava levar os filhos quando adolescentes para a igreja como fazia quando eram pequenos, mas negativo, os dois corriam da raia e ainda contavam com o apoio do pai que, embora fosse bom esposo, pai presente e até religioso, não gostava de ver os garotos serem forçados a irem para a igreja. A escolha da religião, dizia sempre ele, é algo de decisão pessoal.

Alisson responde:
            _Alô! – reconhecendo a voz disse: “ papai!”
            _Alisson! Meu filho!?
            _Sim papai! Tudo bem!?
–Tudo! Quanto tempo, hein!?
Alisson não conseguia ter coragem de perguntar pela mãe. Temia receber uma resposta dura como: “que brincadeira de mau gosto é essa? Você não sabe que sua mãe faleceu!?” Tentou ir levando a conversa e a ansiedade de tal forma que seu pai naturalmente falasse sobre a sua mãe ou dissesse: “Sua mãe está aqui, quer falar com ela?” Todavia, seu pai não queria dizer as palavras mágicas e a conversa foi rolando sobre como Alisson estava, como ia no trabalho, etc... E Alisson, quase não se aguentando, pensava enquanto dizia ran, ran ao telefone: “será que o tempo não voltou para eles e ela morreu de fato por isso que ele não toca no assunto ‘mãe’?....”  Quando Alisson já se preparava para fazer a pergunta mais importante do dia, seu papai falou:
            _Sei que você gosta de falar com sua mãe e com seu irmão quando telefona, mas é que seu irmão Arthur está no trabalho e só volta às dezessete horas, e sua mãe (Alisson gelou) não está aqui, ela foi ao mercado comprar leite e já deve estar voltando.
            Essas palavras foram as mais belas e as mais lindas que Alisson ouviu desde que “voltara” no tempo. Extasiado, não conseguia falar mais nada com o pai. Recuperou o fôlego respirando fundo e disse:
            _Pai! Estou indo para aí!
            _Pra cá!?
            _Sim. Diga à mamãe, quando ela chegar, que eu vou lanchar com vocês. – sendo treze horas da tarde sabia que os pais já haviam almoçado aquela hora, sempre eles almoçavam às 11:30 horas –.   Tchau. Até logo!
            _Tchau, filho! Que bom!...
            Alisson voltou-se para a sua equipe de trabalho e disse:
            _Pessoal! Segura a bola aí que eu preciso ver minha mãe emergencialmente!
            _Está bem! Mas o que foi? Ela está doente? – falou Andressa, uma assessora de Alisson demonstrando preocupação.
            _Graças a Deus não! – depois que falou é que Alisson pensou no que disse já que não era muito religioso – só estou com muitas saudades!
            Saiu imediatamente para o estacionamento da Firma. Pegou o carro e foi embora para a casa dos pais que ficava no Méier, embora no meio do caminho tenha pensado em passar em casa para tomar um bom banho, se arrumar com uma roupa especial e, aí sim, partir para a casa dos pais; até porque teria tempo para pensar no que dizer e repassar seus últimos momentos com a mãe.
           
Na sala de Camily, alheia a tudo que se passava no interior borbulhante de Alisson, Elizabeth ligava para o namorado, Roberto, para desmarcar o encontro da noite já que teria que ler o diário de Camily, pelo menos a maior parte, pois começaria a lê-lo quando chegasse ao restaurante, na hora do almoço. Aliás, ao olhar para o relógio, viu que já tinha passado da hora de ir se alimentar. Sabia que o expediente na Empresa no sábado durava até às 15 horas. Levantou-se, despediu-se com um até logo para a equipe de Camily, que nessas alturas vivia perguntando pela chefa: se ela havia tirado licença médica, etc... Elizabeth dizia que o seu sumiço já havia sido comunicado à polícia e que não tinha mais notícias. Iria falar com a cúpula da diretoria sobre a ausência de Camily e as providências tomadas pela investigação de seu desaparecimento. Saiu e foi almoçar.
            No restaurante, o mesmo que normalmente comia e, portanto, o mesmo lugar onde almoçara com Camily no dia do seu desaparecimento, Elizabeth pediu a refeição de sempre (arroz, salada, filé de frango grelhado e suco de laranja) para manter a forma e, enquanto aguardava a chegada da comida, pegou o diário para ler. Começou do início mesmo. Afinal, era um diário que registrava os fatos acontecidos no final do ano dois mil e oito e começo de dois mil e nove. Portanto, não era extenso. Nas primeiras páginas, não havia nada tão surpreendente ou que indicasse qualquer tipo de ameaça. Só que, a partir do mês de janeiro de 2009, Elizabeth notou que Camily passou a registrar muito mais seus sentimentos e emoções. E, quando já gostava do texto (aliás, é só penetrarmos na intimidade dos outros que imediatamente ficamos interessados: como somos internamente fofoqueiros não é mesmo?), veio o garçom com a refeição e ela parou a leitura para almoçar.
Deu duas garfadas na boca e escutou o celular tocando. Atendeu meio chateada por estar com muita fome. Era uma funcionária da área de produção da Empresa, justamente seu setor de trabalho, avisando que o inspetor de polícia, senhor Clayton, estava lá na Empresa tomando depoimento de todo mundo e que a estava aguardando em seu escritório. Elizabeth agradeceu o comunicado e desligou intrigada sobre essa segunda parte do telefonema; ficou pensativa enquanto dava uma garfada atrás da outra, já demonstrando pressa. Queria saber o motivo dessa pressa, pois o acordo era que ela entrasse em contato caso lê-se alguma coisa que despertasse a sua atenção. Terminou a refeição e partiu para a Empresa, não quis nem a sobremesa.
            Chegando lá, viu seu Clayton sentado em umas das cadeiras do escritório ainda anotando dados recolhidos nos depoimentos ali tomados. Ambos se cumprimentaram e Elizabeth logo perguntou:
            _O que deseja inspetor?
            _A senhorita já leu alguma coisa do diário?
            _Sim. Antes do almoço li alguma coisa, mas nada de muita significação. Por isso que não entrei em contato com o senhor ainda.
            _Está bem. Somente perguntei para lembrá-la disso. O que vim fazer aqui é mais do que tomar depoimentos, o que até já faz parte do meu trabalho, vim com o objetivo de pedir à senhorita que me repasse, se for possível, passo a passo o trajeto que vocês duas sempre fazem do restaurante até a Empresa, porque, pelo depoimento que a senhorita deu na Delegacia, e agora com os novos levantamentos de dados que estou fazendo, há fortes indícios que a sua amiga e chefa desapareceu durante o trajeto do almoço até à Empresa. Digo isto porque não há nenhuma evidência que Camily tenha ido para algum lugar depois do almoço a não ser vindo para a Empresa. Eu e o delegado, Dr. Bruno, chegamos a essa conclusão juntos.
            _ Concordo e digo que essa conclusão é mais que evidente. O senhor quer que eu diga o trajeto ou vamos refazê-lo de carro?
            _Nós iremos de carro, se a senhorita não se importar com o desconforto, gostaríamos que fossemos no meu carro.
            _Ok!
            Assim foram no carro Fiat uno 2002 do inspetor. Foram diretamente para o restaurante e depois retornariam à Empresa, refazendo o caminho, passo a passo. Elizabeth instruía o inspetor em todos os detalhes do trajeto. No retorno do restaurante, no meio do caminho, pararam em um sinal fechado. Em frente ao sinal havia um bar. Elizabeth fez um comentário olhando para o sinal:
            _Eta sinalzinho que nunca está aberto!
            Clayton ouviu isto e perguntou:
            _Quer dizer que este sinal nunca está aberto quando vocês passam por aqui?
            _Quase sempre não.
            Espera aí! Encostou o carro e foi até o bar. Elizabeth a priori não entendeu nada. Achou, de repente, que ele teve uma vontade enorme de urinar ou então de beber um refrigerante, ou mesmo, disfarçar para dar aquela cuspidinha de sempre. Até que Elizabeth estava sentindo falta da tal cuspida. É que o mau hábito de Clayton não atacava sempre; era como se algum fator de estresse desencadeasse o excesso de saliva e, consequentemente, de cuspi. Com dúvidas na mente, ela observava atentamente os movimentos de Clayton. Este já estava lá dentro do bar e, após se apresentar como policial civil, começou a fazer uma série de perguntas ao dono do estabelecimento. No início, as perguntas eram gerais sem muita importância para o caso investigativo. Isto para não espantar a “freguesia” como se diz em linguagem bem coloquial. Depois partiu para as perguntas chaves:
            _O senhor percebeu alguma coisa estranha por esses dias?
            _Não. A não ser o que aconteceu na quinta-feira. (Logo a atenção e a curiosidade de Clayton se aguçaram, pois este era o dia do sumiço de Camily).
            _E o que aconteceu na quinta-feira?
            _Um carro Polo prata parou no sinal bem aqui em frente e foi abordado por dois homens que entraram no carro e, logo após, o veículo saiu em disparada. E este foi o detalhe que me chamou a atenção. Até então imaginava que eles seriam conhecidos do motorista ou da motorista não sei, foi tudo muito rápido. Quando percebi a maneira abrupta com a qual o carro saiu, rapidamente entrei em contato com uma patrulhinha que fica aqui na rua de trás. Os PM’s saíram em perseguição ao veículo. Não sei se alcançaram.
            _O senhor sabe me dizer se eram policiais do batalhão aqui do centro da cidade?
            _Sim. São policiais do 13º Batalhão de Polícia.
            _Ok! Muito obrigado por sua ajuda; foi de muita valia.
            _Estou às ordens chefe. Estou sempre pronto a colaborar com a Polícia.
            _Está bem! Até mais.
            _Até!
            Confiante de que havia conseguido informações preciosíssimas para o desfecho do caso, Clayton voltou para o carro apressadamente e ligou o motor, apenas dizendo para Elizabeth:
            _Acho que demos um passo importantíssimo para saber o paradeiro de sua amiga Camily!
            Sem entender muita coisa, Elizabeth indagou:
            _Como é que é? O que o dono do bar disse que o deixou assim tão esperançoso?
            _Dona Elizabeth, ele viu o carro de sua chefa ser sequestrado ou roubado, sei lá! O importante é que ele nos deu a informação de que uma patrulhinha do 13º Batalhão de Polícia saiu em perseguição ao carro dela e nós estamos indo para lá. Vamos ver se conseguimos mais informações importantes para chegarmos a conclusões mais precisas sobre o que aconteceu com dona Camily.
            Ao longo do percurso, eles se lembraram de entrar em contato com Alisson, mas não conseguiram. O rapaz havia passado em casa antes de ir para a casa dos pais e largara o celular distraidamente sobre o sofá, tamanha era a ansiedade que ele tinha de chegar à casa de seus pais.

(Nada como passar bons momentos com os pais. Os momentos em família são verdadeiros poemas de amor de natureza existencial. A melhor maneira de reabastecer as baterias para o dia a dia de trabalho é o convívio saudável com os familiares. Um abraço de alguém que se ama é um autêntico remédio para curar feridas da alma. Feliz é aquele que não despreza ou que não participa displicentemente dos momentos em família.)   

(Gilmar Cabral) 


























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