quarta-feira, 13 de julho de 2016

Romance - Nova Chance - capítulo 6

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A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.
(Rubem Alves)
            Alisson entrou no carro extremamente ansioso e partiu rumo ao seu inusitado, porém, esperadíssimo encontro. Ao longo do caminho, procurou relembrar o último momento com sua mãe antes dela ter o enfarte que acabou por vitimá-la. Por instantes, seu rosto entristeceu-se, pois se lembrou de que sua última conversa com a mãe fora na verdade uma discussão muito intensa sobre seu relacionamento com Alexia. Sua mãe era favorável ao término da relação por achar que o filho não mais gostava da jovem e a estava iludindo, porém Alisson dizia que ainda gostava de Alexia somente não tolerava aquele ciúme doentio e a “marcação” cerrada que ela empregava no dia a dia na “cola” dele. Ele desejava mais liberdade. A discussão não acabou bem com Alisson gritando com sua mãe antes de sair da casa:
            _Não vou desmanchar o namoro com Alexia! Não estou enganando ninguém e, além do mais, quem manda na minha vida e nos meus relacionamentos sou eu!
            Certamente que nem seu pai e nem seu irmão estavam em casa; pois, se estivessem, a muito que o teriam repreendido por ter falado daquela forma agressiva e desrespeitosa com a mãe. O fato é que agora Alisson estava a alguns minutos de encontrar-se novamente com ela. Isto o perturbou. Lembrou que ficou aproximadamente uns dois meses se culpando pela morte dela, ao que seu pai e seu irmão nunca aceitaram isso e até o consolaram dizendo que ele não poderia adivinhar que ela estava com problemas cardíacos. Na realidade, nem eles sabiam. Depois é que descobriram, pelos exames guardados numa gaveta do quarto do casal, que ela estava com o “coração cansado”.
            As paisagens passavam e a mente de Alisson trabalhava intensamente: sem perder a atenção ao volante e ao mesmo tempo refletindo sobre o que dizer à sua mãe e como aproveitar essa outra chance para pedir perdão já que a discussão ainda não havia acontecido. Decidiu que procederia normalmente e que aproveitaria cada momento com seus pais. Se houvesse uma oportunidade, pediria perdão pelos erros cometidos e que em algum momento porventura teriam magoado eles. Dessa forma, subjetiva, esperava tocar sua mãe e conseguir o perdão dela.
            O carro foi se aproximando da casa e seu coração foi disparando. É como se, por alguns instantes, estivesse desistindo de colocar em prática o plano traçado e, com total emoção, se entregar ao momento de reencontro numa explosão de sentimentos contidos por anos, não apenas os últimos dois anos e poucos meses de ausência de sua mãe, mas também lembranças de um passado mais remoto e que agora estava mais vivo do que nunca na alma de Alisson: desejos de afetos quando criança e adolescente, as diversas vezes em que aborreceu feio sua mãe e a falta de tempo para estarem juntos desde os tempos da Faculdade. É como se ele quisesse, naquela visita, recuperar o tempo perdido.
            Foi se aproximando do portão. Abriu o trinco e isso funcionou como um dispositivo para aflorar essas lembranças e Alisson se derramou em lágrimas, mas chorava de soluçar. Tentou recompor-se, pois não queria deixar sua mãe preocupada ou emotiva demais, afinal, ele agora sabia dos problemas cardíacos de sua mãezinha. Andou ansioso pelo pequeno quintal e as lembranças de sua infância e adolescência vieram à tona novamente o fazendo banhar o rosto. Procurou conter-se. Ele sabia que sua mãe não sabia de nada, precisava disfarçar; e isto o deixou confuso, pois não desejava falsear nada nesta nova oportunidade de falar com a sua mãe. Era o momento de falar a verdade, de se expor, de aproveitar essa inusitada chance sendo sincero de coração. Chegou à porta de entrada da casa; o caminho até que parecia uma estrada longa e recheada de emoções. Lentamente levantou o braço direito e apertou a campainha. Esperou. Parecia outra eternidade.
            Sua mãe não veio atender. Quem veio foi seu pai. Abriu a porta e o recebeu calorosamente com um abraço forte:
            _Que bom filho! Eu e sua mãe estamos muito contentes com essa visita inesperada! Vamos entre! Sua mãe está na cozinha. Sente-se filho.
            _É muito bom estar aqui, papai, o senhor nem sabe o quanto! Posso ir lá ver mamãe?
            _Pode... mas é que ela já está vindo; ela ouviu a campainha. Você parece agitado, estranho, aconteceu alguma coisa com você que nós não sabemos?
            _Não pai. Só estou com muitas saudades de vocês!
            _Que coisa boa! Nós também sentimos muito a sua ausência filho. Está ouvindo? Lá vem sua mãe. Conheço o arrastar de chinelos de longe.
            Alisson nem esperou ela se aproximar de onde se encontrava. Quando ela ainda estava no corredor que leva da cozinha para a sala, ele correu em sua direção e a abraçou muito forte; não dando nem chances dela falar alguma coisa.
            _Mamãe! Que saudades! Como é bom poder abraçá-la novamente!
            _Oi meu filho! Que bom ser abraçada assim! Como você está? Está tudo bem? E a Alexia? Aconteceu alguma coisa?
            _Não mãe! Está tudo bem, agora está tudo bem.
            _Sente-se! Vamos conversar! É apenas saudades mesmo ou tem algo a mais?
            _É saudade. Muita saudade a senhora nem faz ideia...
            Nisto, o pai sentindo que “sobraria” na história, foi logo tirando o time de campo:
            _Filho, fique à vontade com sua mãe que eu vou à minha pequena oficina de bugigangas consertar algumas coisas. Sabe como é que é: aposentado e velho tem que fazer algumas travessuras para se sentir vivo de novo.
            _Que isso, papai! Fique!
            _Não, não. Já pressenti que hoje o dia, ou melhor, a tarde é de sua mãe.
            _Deixe seu pai. – a mãe falou – ele estava doidinho mesmo para ir para lá. Então me diga filho: como você está?
            _Eu estou muito bem, principalmente agora revendo a senhora!
_Então como vai o trabalho? O namoro?
            _Com o trabalho está tudo bem, embora estejamos tristes e apreensivos com o desaparecimento de uma colega lá da Empresa.
            _Desaparecimento Alisson? Como assim? Sumiu?
            _É... uma jovem gerente de produção que desapareceu a aproximadamente dois dias e meio, mamãe. A Polícia já está a par da situação e começou a investigação para descobrir o que realmente aconteceu.
            _Que coisa horrível, meu filho! E você a conhecia bem?
            _Não, não muito bem. Éramos colegas somente de trabalho, mas ao que me consta ela era uma excelente pessoa e uma competente profissional.
            _Deus ajude a achá-la! Vou rezar por ela. Mas, e você e Alexia?
            _Não estamos muito bem, como é de praxe. Ela esteve lá em casa e se aborreceu; não entendeu que o sumiço da minha colega de trabalho me chocou. Teve uma crise de ciúmes e foi embora. Não me ligou mais.
            _E será que ela não tem reais motivos para ter ciúme desta jovem desaparecida? Qual é o nome dela, hein?
            _O nome dela é Camily. Mas Alexia não tem motivos reais para ter ciúmes. A senhora já a conhece e sabe que qualquer coisa é motivo para nós brigarmos. Parece que ela acha que o combustível do nosso relacionamento é a briga. Sem contar que ela fica querendo utilizar seus conhecimentos da Faculdade de Psicologia no nosso relacionamento. Isto é um saco! É porque Piaget disse isso..., Freud disse aquilo..., Lacan aquilo outro...! Ah vai-te a ....
_Êpa! Calma aí! Isto ainda é uma casa cristã!
_Desculpe mamãe! É para a senhora ver como ela me irrita. Sumiu, me deu um refresco. Daqui uma semana ela me retorna as ligações ou então aparece como quem não quer nada. Já até sei.
            _Bem filho, você sabe que eu já algum tempo não aprovo o namoro de vocês; antes por pensar que só você não gostava mais dela, porém nesses últimos dias tenho chegado à conclusão que ambos não se gostam mais, apenas estão passando um tempo juntos; talvez vocês somente tenham se acostumado um com o outro, o que é horrível para um casal que ainda nem se casou. 
            _Acho que você tem razão, mamãe.
            Essa frase deixou sua mãe surpresa, pois esperava uma atitude mais enérgica por parte do filho, pelo menos era assim que ele reagia quando ela tocava no assunto de desmancharem o relacionamento. É lógico que Alisson sabia que deveria ir com cuidado ao perceber que o assunto namoro havia começado. Não queria reeditar a discussão feia que tiveram (parece estranho o verbo no passado já que a narrativa encontra-se em dois mil e nove, mas era isto que se passava na mente de Alisson) em dois mil e onze e que havia separado os dois até a morte de sua mãe e que, além disso, o deixara por meses sentindo-se culpado pelo enfarte fulminante que a mãe tivera. Agora dava razão a praticamente tudo que ela falava, o que a deixava, até por vezes, constrangida ou boquiaberta.
            _Estou surpresa, meu filho, com nossa concordância em quase tudo que diz respeito ao seu namoro!
            _ É mãe, a gente vai amadurecendo não é mesmo? O tempo passa e faz com que a gente perceba determinadas coisas que antes pareciam não aparecer. Vou procurar a Alexia para uma conversa definitiva sobre nós, como está essa situação não pode continuar.
            _Sabe filho, você falou sobre o tempo e eu ouvi um sermão tão lindo domingo passado na missa. Falava sobre o tempo. O padre Abel foi tão feliz no sermão!...
            _É mesmo mãe? O que dizia? A senhora se lembra?
            _Claro! Ele usou o texto de Eclesiastes capítulo 3 onde fala que “há tempo para tudo”. “Tempo de nascer e tempo de morrer. De plantar e arrancar o que se plantou. Tempo de matar e tempo de curar. Tempo de derrubar e tempo de construir. Tempo de chorar e tempo de rir (...) tempo de procurar e tempo de desistir...”
            _Que lindo! Mãe.
            Neste momento Alisson lembrou-se de Camily. Sabia que não havia ainda chegado o tempo de desistir de procurá-la. Então olhou o relógio e sentiu vontade de partir para continuar a busca, mas logo pensou na importância daquele momento. Estava diante de sua mãe que havia passado pelo “tempo de morrer” e agora estava, junto com ele, vivendo o “tempo de viver”. Sim, ela havia “nascido novamente” na vida de Alisson. Era “tempo de curar” as feridas da alma provocadas pela discussão que tiveram em dois mil e onze; e o mais interessante: curando as feridas de dois mil e onze em dois mil e nove. Algo fascinante e impensável para muitos, mas não para Alisson.
            Então, neste período da conversa, eles começaram a relembrar os bons momentos que já tinham passado juntos, desde a infância de Alisson até aquele presente instante. Ela falou das travessuras dele quando pequenino e da dificuldade que era deixá-lo na escola já que fazia um escândalo tremendo cada vez que tinha de se despedir dela. Disse ainda sobre o período difícil de enfermidade que ele atravessara quando completara doze anos; fruto de uma infecção de garganta grave.
Eles lembraram como eram divertidos os finais de semana na casa da tia Nena, lá em Saquarema. Alisson lembrou-se da música que havia cantado para homenageá-la na comemoração do dia das mães, na escola: “Carinhoso”. Sua mãe, por sua vez, trouxe à memória de ambos o quanto o tio Zeca, irmão mais velho do pai de Alisson, gostava de cantar pelas manhãs, quando ia passar alguns dias ali naquela casa. Recordaram que ele pegava seu violão velho, de tampo amarelo e bem envernizado nos lados, braço e atrás, e cantava a sua música preferida: “Corra e olha o Céu”, de Cartola. Ambos, em sua memória, já que fazia uns dez anos de sua morte, cantaram, juntos, a canção três vezes:
Linda!
Te sinto mais bela
E fico na espera
Me sinto tão só
Mas!
O tempo que passa
Em dor maior
Bem maior...

Linda!
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria
Corra e olha o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia...
Aaai!
Corra e olha o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia...
            Ainda cantando, sua mãe levantou-se e foi até a cozinha buscar uns bolinhos de chuva com refrigerante, lanche preferido de Alisson quando criança. Tudo parecia perfeito nesse reencontro. Ela voltou com a comida e Alisson se deliciou. Sua mãe ainda disse:
            _Ah, Antes de ir, pois eu sei que como das outras vezes o lanche é a deixa para partir, o Padre Abel também falou no seu sermão de um tal de Agostinho, Santo agostinho, que foi um bispo importante na História da Igreja, que também era filósofo e escreveu muitas coisas bonitas sobre o tempo. O padre disse que essas coisas estão no livro Confissões. Nossa! Quando o Padre citou esse Agostinho no sermão, o vigário “viajou na filosofia, filho”. Falou coisas que eu nunca tinha parado para pensar sobre o tempo, deve ser coisa de filósofo mesmo, né?  
            _Com certeza, mãe. Mas como eu estou me interessando mais sobre o tempo, vou procurar ler o que esse filósofo falou, de repente ele me ajuda a entender determinadas coisas que estão acontecendo.
            _Que coisas?
            _Deixa pra lá, mãe. Vem cá para eu abraçá-la e beijá-la como nunca!
            Assim, ambos se abraçaram e se beijaram muito. Alisson despediu-se de seu pai lá na oficina e novamente despediu-se de sua mãe, era como se não quisesse ir embora, porém tinha que ir. Precisava saber sobre Camily. Passou pelo pequeno jardim e se emocionou de novo. Entrou no carro e acenou com um adeus para sua mãe, que da janela, respondeu com outro aceno e com as palavras que não se ouviam o som por causa da distância, mas eram perfeitamente entendidas pela leitura labial: “Eu amo você, filho”. Alisson acelerou e se foi.              
             Na viagem de volta para casa, só pensava nos momentos incríveis vividos ali. Lamentou não rever o irmão mais novo que ainda não havia chegado do trabalho. Também achou que poderia ter conversado um pouco mais com seu pai. Entretanto, reconheceu que realmente a tarde era de sua mãe. Refletiu sobre a passagem bíblica citada por sua mãe: Eclesiastes 3. E logo lembrou que mais uma vez o texto sagrado aparecia como uma possível alternativa de respostas para o que estava acontecendo com ele. Então, recordou que tinha recolhido uma referência bíblica na casa de Camily. Perturbou-se com a possibilidade de ter perdido o papel. Talvez estivesse ainda no bolso da camisa que usara naquela ocasião. Se fosse assim, reencontraria o papel no cesto de roupas sujas. Ansiou mais ainda por chegar à sua casa. Desejava encontrar o papel e ainda ligar para Elizabeth para saber notícias de como andavam os rumos da investigação sobre o desaparecimento de Camily.

(O pedido de perdão é um ato de extrema humildade, além de revelar um caráter nobre e uma postura sensível. Todavia, não é uma atitude fácil. Requer coragem e estar pronto para correr o risco de receber em troca de seu ato não a aceitação do pedido de perdão, mas sim um discurso agressivo e soberbo; já que o ato de humilhação é sempre visto como confissão de culpa pela pessoa insensível e que não tem um coração disposto a esquecer e perdoar.
No entanto, os benefícios de pedir perdão e de perdoar são tão grandes e fazem tão bem à alma humana, que vale a pena correr o risco e ir em frente. A sensação de alívio e de que se fez a coisa certa é incrível quando se pede perdão. Por mais que seja difícil, a pessoa que exerce a prática do perdão, com certeza, não se arrepende de ter feito a escolha correta.)

(Gilmar Cabral)
























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