quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Romance Nova Chance - capítulo 7

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...E o nosso amor, que brotou
Do tempo, não tem idade,
Pois só quem ama
Escutou o apelo da eternidade.
(Carlos Drummond de Andrade)

            Mal Alisson estacionou o carro na sua garagem, saiu rapidamente dele e abriu a porta de casa, deixando as chaves do carro sobre a mesa de centro da sala, partiu para a área de serviço, buscando o cesto de roupas sujas. Encontrou. Achou a camisa usada naquele dia lá na casa da Camily. Olhou o bolso e lá estava o papel. Fez: ufa!.... Colocou-o sobre a mesa da cozinha e foi tirar a roupa para um bom banho. Planejava limpar-se, comer alguma coisa e telefonar para Elizabeth. Depois estudaria o texto bíblico. Afinal, queria ler tanto o texto completo de Eclesiastes quanto ler o texto de Isaías contido naquela folha de papel.
            Enquanto tomava uma chuveirada, conseguiu ouvir o telefone celular tocar lá, esquecido no sofá. Não se apressou desta vez, queria curtir aquele momento de refrigério e de recordação do período maravilhoso passado com a mãe. Depois ele olharia quem havia ligado. No entanto, e se fosse Camily? Era mais fácil ser Elizabeth. Esfriou e deixou a água rolar. Ensaboou-se e depois deixou calmamente a água limpar o seu corpo, como se estivesse limpando a sua alma. Saiu do boxe de corpo e alma “lavados”. A experiência com sua mãe foi tremenda, inesquecível.
            Lentamente se enxugou passando a toalha por todas as partes do corpo, como se estivesse se renovando; de pele nova. Colocou a roupa de dormir. Não gostava de usar pijama, preferia dormir com uma camisa de meia na cor azul envelhecida e um short marrom desbotado. Às vezes, se estivesse frio, colocava um par de meias soquetes antigas.
            Pegando o celular no sofá, foi logo percebendo que a ligação era de Elizabeth, como imaginava. Sentou-se no sofá e ligou para ela. A priori, ninguém atendeu e logo a mensagem eletrônica de caixa postal ressoou no ouvido direito de Alisson. Pensou: “ela deve ter feito ou sabido de alguma coisa. Depois ela liga ou eu ligo”. Levantou-se e foi para a cozinha. Estava faminto. Retirou uma pizza congelada do freezer e colocou-a no micro-ondas, enquanto isso, preparou um suco de laranja; Alisson gostava de refrigerante somente com bolinhos de chuva. Gostava de bebidas alcóolicas, mesmo não abusando nunca.
            Voltou a se lembrar do bilhete ao olhá-lo sobre a mesa da cozinha. Pegou-o e as lembranças de tudo aquilo que já havia vivido para procurar Camily retornaram aos seus pensamentos. Colocou novamente o bilhete sobre a mesa e tirou a pizza do micro-ondas. Pôs uma fatia considerável no prato branco com detalhes azuis, pegou os talheres e despejou suco de laranja num copo transparente e meio azulado, e caminhou novamente para a sala com a refeição. Tinha um costume de sentar-se no sofá e por uma almofada no colo para apoiar o prato e assim poder cortar os alimentos. O copo de suco foi apoiado na mesa de centro. Alimentou-se. Tanto da pizza e do suco quanto dos pensamentos sobre sua mãe, Camily, Alexia, o tempo...
Falando no tempo, veio à memória o desejo de conhecer aquele Padre que sua mãe abordara na conversa maravilhosa que tiveram. Queria ter a oportunidade de contar o que estava acontecendo para alguém como aquele padre; alguém que pudesse ajudá-lo a entender os fatos surpreendentes que perpassavam sua vida naqueles últimos dias. Decidiu que iria vê-lo. Só que antes leria os textos bíblicos que tomara conhecimento na casa de Camily e na casa de seus pais.
            Nem percebeu que não havia ligado a televisão. Estava mergulhado nos pensamentos. Mas foi despertado pelo som repentino de seu celular. Pegou rapidamente o telefone ainda assustado, apesar de ser tamanha a sua concentração mental e estomacal, pois não deixou de colocar uma garfada sequer em sua boca, mesmo envolto aos pensamentos reflexivos. Era Elizabeth.
            _Olá! Elizabeth! Liguei para você ainda há pouco.
            _É...eu ouvi. Mas estava no banho e o celular já estava terminando a bateria.
            _Diga, o que é que você manda?
            _Eu e o seu Clayton, o investigador, estivemos juntos hoje.
            _Ah é... E o que vocês fizeram hoje? Há novidades?
            _Eu consegui ler grande parte do diário de Camily e não vi nada de relevante pelo menos para o caso. Daí, recebi o telefonema da Empresa avisando-me que o investigador estava lá para interrogar os funcionários.
            _O quê? Mas isto tem alguma utilidade?
            _Bem... ele disse que era rotina policial e que deveria cumprir isto. Porém o mais interessante aconteceu quando ele propôs que nós refizéssemos o trajeto possível de Camily naquele dia.
            _É realmente foi uma boa ideia, Elizabeth. Bem mais relevante do que ficar fazendo perguntas aos funcionários. Mas me conte o resto, e daí...
            _Daí que para minha surpresa ele parou num sinal, que quase sempre está fechado mesmo. Desceu do carro e foi até um bar em frente ao sinal. Conversou algum tempo e voltou bastante agitado, dizendo que estava com uma grande informação: o dono do bar havia visto o carro de Camily ser abordado por dois homens que entraram nele e, logo depois, o carro saiu a toda. Ah, tem mais, o dono do boteco falou que saiu do bar e falou com uma patrulhinha que ficava ali por perto e ele tinha praticamente a certeza de que o carro foi perseguido.
            _Então...
            _Então, quando o cara do botequim disse de qual batalhão eram os policiais, partimos para lá. Não encontramos os dois policiais que fizeram a perseguição ao carro de Camily, eles estavam de serviço, mas tivemos acesso às ocorrências policiais daquele dia do sumiço dela e lemos que a patrulhinha perseguiu o carro até a entrada de uma favela no Carpão, quando o carro dos policiais foi recebido com uma saraivada de tiros que partiam da parte alta do morro. Os policiais não tiveram alternativa a não ser recuarem e pedirem reforço. Este chegou e eles entraram na favela, porém não encontraram nada, nem carro e nem Camily. Voltaram sem nenhuma informação sobre o carro e nem sobre ela. No relatório, consta que os policiais desconfiam que os sequestradores devam ter saído pelo outro lado da favela.
            _Que que é isso! Parece coisa de Hollywood! Mas... o que que o seu Clayton acha?
            _Ele pensa que realmente foi um sequestro e, provavelmente, um sequestro relâmpago que não deu certo por causa da perseguição policial. Daí os marginais terem se refugiado no morro, devem ter contatos ali ou serem de lá. Seu Clayton imagina que foi um sequestro relâmpago porque eles até agora não pediram resgate, o que indica que os marginais não estavam preparados para um sequestro nos moldes tradicionais e sim para algo mais ligeiro. Isto também aumenta a possibilidade dela estar morta já que não houve retorno a não ser uma ligação em seu celular. Os malfeitores podem ter descartado a vítima quando a coisa frustrou.
            _Esperemos que seu Clayton, nessa parte, esteja equivocado. Penso, ou melhor, sinto que ela pode estar viva, Elizabeth.
            _Também tenho esperanças. Pelo menos a polícia já sabe o que aconteceu quanto ao sumiço. A grande questão agora é saber o que aconteceu após a perseguição policial, isto é, onde ela está e em que condições ela está neste exato momento.
            _Exatamente.
            _Alisson, eu preciso contar uma coisa que li no diário de Camily. É sobre você.
            _Sobre mim?!
            _Sim. Como existe a real possibilidade dela estar morta, acho que não haverá problemas em contar-lhe o que li. São 20:30 horas e meu noivo está chegando para jantarmos juntos. Até cheguei a desmarcar o meu encontro com o Roberto, pois pensava que não teria tempo para ler o diário com ele aqui. Mas como consegui ler bastante no almoço e como o que li interessa a você, eu chamei-o novamente para jantar, e ele ficou meio confuso, mas decidiu vir. Afirmei que iria explicar tudo quando chegasse. Minha mãe já foi dormir. Ela dorme cedo. Peço que venha para cá jantar conosco.
            _Já jantei.
            _Então venha comer a sobremesa conosco: é mousse de limão. Não fique envergonhado, meu noivo vai estar aqui. Não tem problema. Moro na Tijuca, Rua Conde de Bonfim, prédio Alvorada, o número do apartamento é 901. É só pedir ao porteiro para interfonar. 
            _Como fiquei tentado pelo mousse e estou muito curioso sobre o que Camily escreveu sobre mim em um objeto tão íntimo como um diário, daqui a pouco estarei aí. Tchau!
            _Tchau! O aguardo!  
            Alisson rapidamente dirigiu-se para a cozinha, colocando o prato com os talheres e o copo na pia e foi para o quarto para começar a se arrumar. Estava cansado, mas a curiosidade era grande. Ele pensava enquanto se ajeitava: “será que ela falou mal de mim profissionalmente?” “É... porque... pessoalmente ela não teria muito para dizer, pois não me relacionava com ela...”. Terminou de se compor e pegou as chaves do carro. Preocupava-se com o que ouviu sobre o sequestro de Camily e com a possibilidade de ter que enfrentar a realidade de sua morte. Preocupou-se porque já estava sentindo algo diferente por ela. Quando ouvia seu nome ou proferia-o, percebia que seu coração batia mais forte e acelerado e vinha um sentimento de euforia quase de paixão juvenil; talvez porque esse tipo de sentimento meio platônico não fazia muito parte do cardápio amoroso de Alisson, e, além disso, a sensação de aventura, que era gostar de uma moça cujo desaparecimento estava sob a investigação policial, dava todo um tom hollywoodiano ao “caso” amoroso. 
            Pensativo, Alisson entrou no carro e, como de costume, acelerou, desta vez para o apartamento de Elizabeth. No meio do caminho, considerou a possibilidade real de Camily estar morta. Isto apertou seu coração. Já se sentia enamorado por ela. Todavia, procurou concentrar-se na curiosidade sobre o que estava escrito naquele diário. Algo tão íntimo de uma moça e o seu nome lá!? Por um momento rezou pedindo a Deus que ela não estivesse morta. De repente, se culpou dizendo para si mesmo: “quem sou eu para pedir algo a Deus? Eu nem tenho ligado para Ele nos últimos anos! Acho que a última vez que fiz um pedido foi no dia que... minha... mãe... morreu. Estranho falar isso se hoje conversei com ela. É... realmente no desespero eu pedi que Deus tivesse piedade de mim e me desse uma oportunidade, a última de falar com minha mãe, pedir o seu perdão. De alguma forma, Deus atendeu-me.”  
            Alisson havia chegado ao Prédio do apartamento de Elizabeth. Estacionou. Dirigiu-se à portaria e informou ao porteiro que a moradora do apartamento 901 o estava esperando. O porteiro interfonou e logo abriu a porta para Alisson. Ele entrou e dirigiu-se aos elevadores. A entrada do prédio por fora era muito normal: aquele famoso espigão de concreto acinzentado com detalhes em branco e azul. Por dentro era mais charmoso. O chão era de uma cerâmica lindíssima cor de pérola e as paredes emassadas em cor de palha com belos quadros e pequenas árvores de plástico aos cantos dos rodapés os enfeitando. Um sofá moderno marrom no hall dos elevadores para quem desejasse sentar-se para aguardar a hora de ser conduzido por um ascensorista até seu destino.
Posicionado por ali, no hall, o elevador não demorou nada. Alisson entrou e disse ao ascensorista o número do apartamento desejado. O elevador parou algumas vezes o que impacientava o rapaz. Logo o elevador ficou cheio. Quando chegou ao nono andar, Alisson saiu apressadamente, entretanto sem deixar de agradecer ao ascensorista. Achou, sem dificuldades, a porta do apartamento de Elizabeth. Tocou a campainha e prontamente Elizabeth abriu com um largo sorriso, dando boa noite e boas-vindas a ele. Estava simples sem a roupa sofisticada usada na Empresa: um vestido bege bem normal até os joelhos e com um cinto do próprio tecido envolvendo sua fina cintura; o figurino completava-se com uma sandália bem confortável, caseira mesmo, de pano. No entanto, ela estava mais bonita do que aparentava no trabalho. “Mas não mais que Camily”, dizia consigo mesmo Alisson ao vê-la com olhos de admirador.
            Roberto veio logo em seguida. Estava na cozinha já filando alguma coisa, talvez não querendo deixá-la sozinha por muito tempo ali na sala com outro homem. Vê-se que era ciumento, mas também com uma namorada atraente como Elizabeth não era mesmo para dar bobeira. Roberto era um pouco imaturo comparando-o com Elizabeth. Estava se formando em Arquitetura, mas não tinha nenhum projeto para sua carreira profissional, na verdade, nem mesmo sabia se queria exercer a profissão. Parece que ingressou no Curso de Arquitetura apenas para dar uma satisfação aos pais, que pagaram a Faculdade. Emocionalmente já demonstrava depender de Elizabeth assim como dependera de sua mãe para tomar decisões importantes na vida. De certa forma, embora não gostasse dessa dependência do namorado com relação à mãe, Elizabeth já se agradava do fato de Roberto estar transferindo sua dependência para ela. Isto a fazia sentir-se poderosa na relação entre os dois. Sem contar que a demonstração de imaturidade de Roberto dava um tom de ingenuidade a ele que funcionava como um atrativo a mais na relação dos dois. Elizabeth ficava excitada com tamanha dependência do “seu meninão grandão”. 
Alisson e Roberto cumprimentaram-se muito educadamente. Elizabeth convidou a visita para que se sentasse no sofá vermelho, o menor. Seu apartamento era bem aconchegante, embora não fosse muito espaçoso. A sala era realmente o lugar mais amplo. Bem decorado com quadros pintados e peças decorativas nos móveis. Um belo tapete fofo na cor café com leite completava o requinte da sala. Paredes em cor branco gelo. Sem falar na enorme TV de plasma (umas 52’) que repousava sobre um reque de designe altamente moderno. Alisson passou os olhos rapidamente sobre o ambiente e aprovou tudo: ela, como a chefa, tinha bom gosto.
Elizabeth sentou-se ao lado de Roberto no sofá maior, o coral, e falou para Alisson que ela já havia contado de forma resumida, mas precisa, tudo o que estava acontecendo para o seu namorado. Este afirmava tudo com a cabeça e fazia cara de espanto. Alisson de repente teve vontade de rir das caretas de Roberto ao ouvir de sua amada os detalhes que ela já o havia falado. Porém, ele se conteve.
Alisson então disse:
_E o diário? Estou ansioso para saber o que Camily disse ao meu respeito.
_Ah! Sim, claro. Tome. – Elizabeth entregou a ele pegando o diário de cima da mesinha de centro.
_Eu nem vi que o diário estava aqui tão perto de mim. Ando meio desatento, sabe né! – disse Alisson.
_Claro que sei. Eu também ando meio “desbaratada” das ideias. Todos riram.
Elizabeth disse para ele ficar à vontade na leitura, enquanto eles jantavam na copa. Depois eles o chamariam para a sobremesa. Ela apenas confirmou:
_Ela fala sobre você de forma mais precisa na data de 25 de fevereiro de 2012.
Ele, espantado, falou:
_Recente!
Elzabeth e Roberto foram jantar, aproveitariam para colocar o relacionamento deles em dia. A mãe de Roberto não era muito a favor do namoro deles, porém não complicava muito; o problema era o rapaz que ainda não se libertara do “cordão umbilical” e isso irritava Elizabeth. Estiveram por algum tempo separados e quase terminaram definitivamente tudo. O que salvou o relacionamento era a paixão intensa que sentiam um pelo outro. Sentaram-se para jantar e a conversa logo começou, mas em tom amigável, até mesmo amoroso: era “meu bem para cá”, “meu coração” para lá; e Elizabeth foi com jeitinho cobrando mais firmeza do Roberto com relação maneira intrujona da mãe dele participar do relacionamento deles. Ao que o cara garantiu que iria se posicionar de forma mais decisiva e definidora quanto a isso, é lógico que sem deixar de dizer que “a mãe não fazia por mal”. Elizabeth se deu por satisfeita, embora tivesse uma vontade danada de contra argumentar, mas resolveu não estragar o jantar; até porque ele já havia afirmado que falaria com a mãe para “pegar mais leve” com eles. Jantaram em paz. Enquanto isso, Alisson, ajeitando-se no sofá, abriu o diário lentamente como que com receio de ler, mas ao mesmo tempo, cheio de curiosidade. Leu calmamente:
Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2009.
Hoje decidi registrar aqui algo que venho tentando há algum tempo colocar no papel, mas que sempre desisto por ficar envergonhada. Hoje vai ser diferente, afinal, desde quando falar de amor é para se ter vergonha? Desde que terminamos, eu e o Flávio, e isto já faz um ano, não havia me interessado mais por nenhum rapaz. Todavia, não posso negar que de algumas semanas para cá venho pensando muito num colega de trabalho. Certamente ele nem imagina que estou me interessando por ele já que trabalhamos em setores diferentes na Empresa e não nos relacionamos muito.
Porém, o fato é que seu jeito, seus gestos, sua postura no trabalho e, não poderia ser diferente, sua beleza vêm me atraindo a cada dia que o vejo, mesmo que seja somente por alguns instantes.

“Caramba! Ela estava apaixonada por mim?!”

Sei que, fora o trabalho, nossos “mundos” são bem diferentes. Eu sou evangélica e ele, ao que me parece, não pratica nenhuma religião; talvez seja um católico nominal, isto é, mais por tradição de família do que por convicção e sem nenhuma prática religiosa.

“É de fato eu sou um católico nominal, mas tenho fé, poxa!”

Ele é gerente de Marketing e é muito criativo, simpático e bom companheiro de trabalho. Tem um nome muito bonito: Alisson. Quando aparece no meu setor, o meu coração começa a acelerar e fico com as pernas meio que bambas; até mesmo sem graça por ter receio do pessoal ou dele mesmo notar que mudei diante de sua presença.

“Nossa! Assim vou estourar com tanto elogios! Teria que mostrar isso para a diretoria me valorizar mais. Estou todo bobo: mexer dessa maneira com o coração de uma moça linda, altamente inteligente e competente, não é para qualquer um”.

Acho que estou ficando apaixonada por ele! Ainda que sem conversarmos muito ou sequer nos tocarmos de uma forma mais consistente. Talvez seja uma paixão platônica, não sei. Só sei que me faz bem sentir isto que eu estou sentindo ao escrever estas palavras, abrindo o meu coração para você, querido diário.

“Gostei da frase: ‘tocarmos de uma forma mais consistente’, legal!”

Não sei se um dia ele saberá dessa minha admiração secreta, dessa paixão romantizada. Na verdade, nem mesmo sei se este sentimento que vem crescendo nos últimos dias resistirá ao tempo e à minha falta de coragem para me declarar. Mas, por enquanto, posso afirmar que este meu querido Alisson me fez ver a vida novamente com um toque de encantamento e de beleza. Até amanhã, querido diário.

Alisson fechou o objeto que o surpreendera e o pôs sobre o peito apertando-o e dizendo para si mesmo: “que ela não esteja morta...”
Elizabeth e Roberto apareceram na sala e convidaram Alisson para comerem a sobremesa juntos. Ele agradeceu, mas disse que precisava voltar para casa. O casal não permitiu arrastando-o para a cozinha. Lá, na pequena mesa, os três saborearam o mousse de limão regado ao assunto predileto da noite: lembranças de Camily. Alisson ficava meio embasbacado ouvindo Elizabeth falar de alguns momentos inusitados da amiga e a dizer como ela era no dia a dia do trabalho. Os olhos de Alisson brilhavam e ele falava:
_Fale mais sobre ela!
Elizabeth comentava:
_Vejo que o diário mexeu com você. Acho que além das palavras apaixonadas de Camily há mais alguém querendo declarar frases românticas nesta noite; pena que não é você não é Roberto?
_Se você deseja, eu lerei um poema de amor para você, minha querida! – brincou Roberto.
_Ah, assim não tem graça: forçando a barra! Pode guardar seu poema para outra ocasião.
A noite foi se aprofundando e ficando tarde. Alisson então resolveu despedir-se. Ao ouvir: “é cedo!” Disse que tinha planos de ir à missa no domingo pela manhã, pois queria rezar por Camily e fazer uma surpresa à sua mãe: desejava assistir à missa ao seu lado e depois ir almoçar com ela, o pai e o irmão. Também revelou que iria aproveitar e marcar uma conversa com o Padre Abel sobre a questão do Tempo e outras coisas que o intrigavam. Ao que Elizabeth e Roberto acharam muito boa a iniciativa de Alisson e afirmaram que também iriam rezar por Camily, embora sem irem à Igreja.

            Ele abriu a porta de casa. Era tarde da noite. Estava cansado, mas ao mesmo tempo, extasiado por saber que uma bela mulher o amava. Tirou a roupa. Tomou um demorado banho, trocou-se e foi se deitar. Pediu a Deus duas coisas antes de conciliar o sono: que Camily estivesse viva e que ele sonhasse com ela. Também agradeceu por ter vivido um sábado tão especial. Já deitado, lembrou-se do texto bíblico recolhido na casa de Camily. Levantou-se e, dirigindo-se até a cozinha, encontrou a referência bíblica escrita no papel sobre a mesa: Isaías 38:1-8. Correu com o papel na mão até sua estante na sala e procurou por sua Bíblia antiga, que usava nas liturgias da Igreja. Achou-a guardada numa caixa de objetos da infância e da adolescência depositada numa parte da estante que há muito ele não abria, pois lá eram guardadas coisas antigas. A Bíblia estava com as folhas bem amareladas e com a capa já se decompondo. Abriu-a e veio à sua mente muitas recordações da infância e da adolescência. Lembrou-se do catecismo e da primeira comunhão. Relembrou como sua mãe ficou orgulhosa por ver seu filho na Igrejá, servindo a Deus.
            Voltou para a cama e, sentando-se, recostou e começou a ler as Palavras Sagradas. Abriu no livro de Salmos. Todavia, sua curiosidade era ler o texto lido por Camily antes de seu sequestro. Teve alguma dificuldade para encontrar o texto já que fazia muito tempo que ele não lia as Escrituras. Finalmente achou a referência e leu o texto atentamente:

Por aquele tempo, adoeceu Ezequias de uma enfermidade mortal. O profeta Isaías, filho de Amós, veio procurá-lo e lhe disse: “Assim diz Iahweh: Dá as tuas últimas ordens à tua casa porque hás de morrer; não te recuperarás.” Ezequias voltou-se para a parede e orou a Iahweh e disse: “ah, Iahweh, lembra-te de que tenho andado na tua presença com fidelidade e de coração inteiro, e fiz o que é agradável aos teus olhos.” E Ezequias verteu abundantes lágrimas. Então veio a palavra de Iahweh a Isaías: vai dizer a Ezequias: Assim diz Iahweh, Deus de teu pai Davi: Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas. Acrescentarei quinze anos à tua vida. Eu te livrarei, tu e esta cidade, das mãos do rei da Assíria e protegerei esta cidade. Eis o sinal da parte de Iahweh de que ele cumprirá a palavra que pronunciou. Eu farei recuar dez graus a sombra que o sol avançou sobre os degraus da câmara alta de Acaz – dez graus para trás.” O sol recuou dez graus sobre os degraus que tinha avançado.             
           
“Impressionante!” Pensou Alisson. Entendeu mas não entendeu. Percebeu que Ezequias estava para morrer e Deus ouviu a sua oração mudando a sentença. Também compreendeu que o sinal foi o recuo de dez graus na “câmara de Acaz”, o que julgou ser uma espécie de relógio.  Achou estranho, mas lembrou-se que fora desde pequeno na Igreja instruído a acreditar na Bíblia como verdadeira e infalível Palavra de Deus. Acreditou no episódio, porém se questionou: “o que esse texto teria a ver com o sumiço de Camily e com a sua possível repentina volta no tempo? Qual a ligação?” Alisson pressentia que suas respostas passavam por ali. Inquieto, fechou a Bíblia e tentou adormecer.   

















(Quem já não pensou em viver um romance estilo hollywoodiano? As fantasias românticas são as mais variadas. Há aqueles que sonham com um amor estilo Romeu e Julieta. Há os que gostam de viver um caso amoroso menos romântico e mais agitado como nos filmes de ação, principalmente, quando a trama envolve um caso policial. O tom de aventura desse segundo tipo é o que garante o interesse e o fascínio dessa relação.)




















(A rotina quase monótona de levar pessoas ora para cima e ora para baixo de um ascensorista muitas vezes deve ser quebrada pelo que este profissional observa diariamente ao exercer o seu ofício. Conversas, fofocas, discussões, confissões, palavrões, cantadas, choros, risos, piadas, lamentos, reclamações, elogios, trechos de canções, maus cheiros, bons odores, etc. É um “mundo” de sensações e de experiências que devem ser estimulantes. Se o ascensorista desejar e tiver tino para a coisa, pode até ser um contador de histórias, um contista ou até mesmo um romancista. Há muita matéria prima nas cenas de um elevador. Aliás, o elevador é uma metáfora da vida. Subimos e descemos na vida ou com muita rapidez ou demoramos muito, principalmente, quando estamos subindo. A subida é demorada com algumas exceções. A descida pode ser muito rápida, dependendo da situação. Sem contar que, às vezes, paramos, emperramos e aí geralmente vem o desespero, o que não adianta e somente atrapalha. Quando acontecer isso, o melhor é se acalmar e buscar a solução para o problema. O elevador pode ensinar muita coisa.)

(Gilmar Cabral) 







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