Não, tempo, não zombarás de minhas mudanças!
As pirâmides que novamente construíste
Não me parecem novas, nem estranhas;
Apenas as mesmas com novas vestimentas.
(William
Shakespeare)
Enquanto o inspetor Clayton
discursava seu plano “mirabolante” para achar a desaparecida Camily, Alisson
havia sido recebido pelo Padre Abel para a tão aguardada conversa. O papo
aconteceu na casa paroquial que ficava nos fundos da igreja. Ambos sentaram nos
dois pequenos sofás da saleta. Um de frente para o outro. A casa paroquial
realmente era muito pequena, pois servia apenas para um sacerdote. Não tinha
conforto, porém não era uma cela de Mosteiro.
Padre Abel iniciou a conversa
deixando Alisson bem à vontade. Falou um pouco sobre a pequenina casa paroquial
e logo perguntou:
_Então meu jovem. Em que posso
ajudá-lo?
_Padre, quando estive recentemente
na casa de minha mãe, ela disse que o senhor proferiu um belo sermão sobre o Tempo na Vida da Gente. Eu gostaria de
conversar um pouco sobre esse assunto. Tenho vivido experiências ultimamente
com o tempo que nunca imaginei que seria possível. Quero começar com uma
pergunta, posso?
_Mas é claro, meu jovem. – falou um
curioso e atencioso padre.
Padre Abel deveria ter uns cinquenta
anos; era vivido em questões de aconselhamento, pois já tinha uns vinte e cinco
anos de vida sacerdotal. Sua voz encorpada e seu rosto sereno com certos fios
de cabelos brancos rajando sua cabeça faziam o povo reconhecer madureza e
sabedoria. O azul bebê de sua camisa clerical tranquilizava ainda mais
Alisson.
_Tá bom! Vamos lá! Padre, podemos
voltar no tempo?
_Creio que não, Alisson. A não ser
na nossa memória, na nossa mente ou então no inconsciente, enquanto sonhamos. O
nosso tempo é o “Cronos”, daí as palavras cronologia, cronômetro. O “cronos” é
o tempo que ocorre progressivamente para frente, avançando em milésimos de
segundos, segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos, milênios,
etc. O nosso tempo é para o futuro, embora tenhamos vivido o passado e vivamos
o presente.
_Padre, é como disse o cantor
Cazuza: “O tempo não para”? – perguntou sorrindo Alisson.
_Bem lembrado! Porém, vale ressaltar
que Deus não está preso ao nosso tempo. Ele não conhece a divisão: passado,
presente e futuro. Para Deus, há somente um Presente Eterno, o “kairós”. É por
isso que Ele disse a Moisés no Monte Sinai: “Eu sou o que Sou” (Êxodo 3:14), e
não “Eu Fui” ou “Eu Serei”. Deus não vê o tempo correr, mas sim acontecer.
_Então padre, – Alisson ajeita-se no
assento e arremata com outra pergunta – para Deus tudo o que passou, o que está
acontecendo e o que vai acontecer está diante de seus olhos?
_Sim! Isto não é maravilhoso!?
_Com certeza! É fascinante! Agora, o
texto de Eclesiastes capítulo três, que o senhor pregou dias atrás, fala que há
um tempo determinado para cada coisa.
_Isto mesmo! Só que dentro da
perspectiva humana. Na visão divina, cada momento é tempo de tudo acontecer.
Como o nosso tempo é organizado cronologicamente, as coisas têm um tempo
determinado para acontecer. É impossível você nascer e morrer ao mesmo tempo, a
não ser que seja em termos simbólicos ou espirituais. Dizemos que quando uma
pessoa se entrega à religião ela, ao mesmo tempo, morreu para o “mundo”
(sistema de valores e princípios contrários aos da religião) e renasceu para uma
nova filosofia de vida. Isto é possível no mundo espiritual e sobrenatural, e,
consequentemente, simbólico, pois dizemos que ela passou de uma espécie de morte
(letargia espiritual) para uma espécie de vida (novas ideias, emoções e novo
proceder). Fora isso, cada fato tem o seu tempo determinado.
_Tudo bem, Padre. E as crianças que
nascem mortas?
_Veja bem: elas nasceram mortas,
isto é, morreram e depois nasceram – respondeu Padre Abel.
_Mas eu posso sorrir e chorar ao
mesmo tempo, Padre.
_A não ser que seja por alegria,
porque por tristeza não dá. É por isso que o livro de Eclesiastes vai dizer:
“se é tempo de chorar, chore; se é de sorrir, sorria; se é tempo de lutar,
lute”. Confundir as emoções pode ser sinal de doença mental ou perturbação
psiquiátrica.
_Reverendo – Alisson insiste nas
indagações –, eu posso estar em meio a uma guerra e ter paz? Já que Salomão diz
que há “tempo de guerra e tempo de paz”?
_Olhe só! Salomão nesse texto está
trabalhando a categoria tempo como um período de vida. Ele não está pensando em
situações internas e psicológicas. O que você está dizendo é possível quando
pensamos no “tempo psicológico”. Psicologicamente ou mentalmente falando, nós
podemos, como já falei no início da nossa conversa, ir tanto para o passado quanto
para o futuro, recordando ou projetando o que esperamos vivenciar. É por isso
que sofremos ou nos empolgamos e nos alegramos com o que já vivenciamos e com o
que ainda vivenciaremos. Logo, é possível viver a paz, em meio à guerra, aqui
dentro (apontou para o peito), no coração.
Alisson, cada tempo é importante e
precisa ser vivido com intensidade. Quando eu era pequeno “lá em Barbacena”
(rsrsrs), digo lá em São Joaquim, Mato Grosso, minha mãe acordava eu e o meus
irmãos lá pelas cinco e meia da manhã para nos aprontar para o Colégio. Como
nós éramos pobres de fazer inveja aos miseráveis, não tínhamos relógio. Nossa
mãe controlava a hora ouvindo a Rádio Relógio. E, se eu lembro muito bem, de
minuto em minuto, o locutor anunciava a hora e, às vezes, várias vezes, ele ou
ela dizia: “cada minuto que passa é um milagre que não se repete”.
E é verdade. Viver é um milagre.
Cada minuto é um milagre independentemente de como ele acontece. E detalhe: não
se repete. O ontem não é igual ao hoje e este não será igual ao amanhã. Cada
minuto deve ser valorizado; não apenas o minuto que passou ou que se está vivenciando,
mas também valorizar o minuto que ainda não passou ou que ainda não chegou,
pois este é um milagre que ainda vai chegar. Teologicamente, o minuto, o
instante, é um tempo, que é um milagre, sendo um momento de viver milagres e de
proporcionar aos outros: milagres.
_Extraordinário Padre! – deu um
salto do assento, exclamando, um entusiasmado Alisson.
_Vamos fazer uma pausa para um café?
Eu gosto muito de um café fresquinho, que tal? – propôs Padre Abel.
_Aceito. Também gosto muito de um
café.
_Bem forte Alisson?
_Bem forte padre.
Ambos foram para a cozinha da casa
paroquial, que era igualmente minúscula. Padre Abel “passou” o café
rapidamente, mas ainda deu tempo para uma curta prosa sobre culinária.
(Gilmar Cabral)
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