segunda-feira, 23 de julho de 2018

Nova Chance - Romance - Capítulo 10


  Resultado de imagem para tempo

Não, tempo, não zombarás de minhas mudanças!
As pirâmides que novamente construíste
Não me parecem novas, nem estranhas;
Apenas as mesmas com novas vestimentas.
(William Shakespeare)

 10
            Enquanto o inspetor Clayton discursava seu plano “mirabolante” para achar a desaparecida Camily, Alisson havia sido recebido pelo Padre Abel para a tão aguardada conversa. O papo aconteceu na casa paroquial que ficava nos fundos da igreja. Ambos sentaram nos dois pequenos sofás da saleta. Um de frente para o outro. A casa paroquial realmente era muito pequena, pois servia apenas para um sacerdote. Não tinha conforto, porém não era uma cela de Mosteiro.
            Padre Abel iniciou a conversa deixando Alisson bem à vontade. Falou um pouco sobre a pequenina casa paroquial e logo perguntou:
            _Então meu jovem. Em que posso ajudá-lo?
            _Padre, quando estive recentemente na casa de minha mãe, ela disse que o senhor proferiu um belo sermão sobre o Tempo na Vida da Gente. Eu gostaria de conversar um pouco sobre esse assunto. Tenho vivido experiências ultimamente com o tempo que nunca imaginei que seria possível. Quero começar com uma pergunta, posso?
            _Mas é claro, meu jovem. – falou um curioso e atencioso padre.
            Padre Abel deveria ter uns cinquenta anos; era vivido em questões de aconselhamento, pois já tinha uns vinte e cinco anos de vida sacerdotal. Sua voz encorpada e seu rosto sereno com certos fios de cabelos brancos rajando sua cabeça faziam o povo reconhecer madureza e sabedoria. O azul bebê de sua camisa clerical tranquilizava ainda mais Alisson. 
            _Tá bom! Vamos lá! Padre, podemos voltar no tempo?
            _Creio que não, Alisson. A não ser na nossa memória, na nossa mente ou então no inconsciente, enquanto sonhamos. O nosso tempo é o “Cronos”, daí as palavras cronologia, cronômetro. O “cronos” é o tempo que ocorre progressivamente para frente, avançando em milésimos de segundos, segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos, milênios, etc. O nosso tempo é para o futuro, embora tenhamos vivido o passado e vivamos o presente.
            _Padre, é como disse o cantor Cazuza: “O tempo não para”? – perguntou sorrindo Alisson.
            _Bem lembrado! Porém, vale ressaltar que Deus não está preso ao nosso tempo. Ele não conhece a divisão: passado, presente e futuro. Para Deus, há somente um Presente Eterno, o “kairós”. É por isso que Ele disse a Moisés no Monte Sinai: “Eu sou o que Sou” (Êxodo 3:14), e não “Eu Fui” ou “Eu Serei”. Deus não vê o tempo correr, mas sim acontecer.
            _Então padre, – Alisson ajeita-se no assento e arremata com outra pergunta – para Deus tudo o que passou, o que está acontecendo e o que vai acontecer está diante de seus olhos?
            _Sim! Isto não é maravilhoso!?
            _Com certeza! É fascinante! Agora, o texto de Eclesiastes capítulo três, que o senhor pregou dias atrás, fala que há um tempo determinado para cada coisa.
            _Isto mesmo! Só que dentro da perspectiva humana. Na visão divina, cada momento é tempo de tudo acontecer. Como o nosso tempo é organizado cronologicamente, as coisas têm um tempo determinado para acontecer. É impossível você nascer e morrer ao mesmo tempo, a não ser que seja em termos simbólicos ou espirituais. Dizemos que quando uma pessoa se entrega à religião ela, ao mesmo tempo, morreu para o “mundo” (sistema de valores e princípios contrários aos da religião) e renasceu para uma nova filosofia de vida. Isto é possível no mundo espiritual e sobrenatural, e, consequentemente, simbólico, pois dizemos que ela passou de uma espécie de morte (letargia espiritual) para uma espécie de vida (novas ideias, emoções e novo proceder). Fora isso, cada fato tem o seu tempo determinado.
            _Tudo bem, Padre. E as crianças que nascem mortas?
            _Veja bem: elas nasceram mortas, isto é, morreram e depois nasceram – respondeu Padre Abel.
            _Mas eu posso sorrir e chorar ao mesmo tempo, Padre.
            _A não ser que seja por alegria, porque por tristeza não dá. É por isso que o livro de Eclesiastes vai dizer: “se é tempo de chorar, chore; se é de sorrir, sorria; se é tempo de lutar, lute”. Confundir as emoções pode ser sinal de doença mental ou perturbação psiquiátrica.
            _Reverendo – Alisson insiste nas indagações –, eu posso estar em meio a uma guerra e ter paz? Já que Salomão diz que há “tempo de guerra e tempo de paz”? 
            _Olhe só! Salomão nesse texto está trabalhando a categoria tempo como um período de vida. Ele não está pensando em situações internas e psicológicas. O que você está dizendo é possível quando pensamos no “tempo psicológico”. Psicologicamente ou mentalmente falando, nós podemos, como já falei no início da nossa conversa, ir tanto para o passado quanto para o futuro, recordando ou projetando o que esperamos vivenciar. É por isso que sofremos ou nos empolgamos e nos alegramos com o que já vivenciamos e com o que ainda vivenciaremos. Logo, é possível viver a paz, em meio à guerra, aqui dentro (apontou para o peito), no coração.
            Alisson, cada tempo é importante e precisa ser vivido com intensidade. Quando eu era pequeno “lá em Barbacena” (rsrsrs), digo lá em São Joaquim, Mato Grosso, minha mãe acordava eu e o meus irmãos lá pelas cinco e meia da manhã para nos aprontar para o Colégio. Como nós éramos pobres de fazer inveja aos miseráveis, não tínhamos relógio. Nossa mãe controlava a hora ouvindo a Rádio Relógio. E, se eu lembro muito bem, de minuto em minuto, o locutor anunciava a hora e, às vezes, várias vezes, ele ou ela dizia: “cada minuto que passa é um milagre que não se repete”.
            E é verdade. Viver é um milagre. Cada minuto é um milagre independentemente de como ele acontece. E detalhe: não se repete. O ontem não é igual ao hoje e este não será igual ao amanhã. Cada minuto deve ser valorizado; não apenas o minuto que passou ou que se está vivenciando, mas também valorizar o minuto que ainda não passou ou que ainda não chegou, pois este é um milagre que ainda vai chegar. Teologicamente, o minuto, o instante, é um tempo, que é um milagre, sendo um momento de viver milagres e de proporcionar aos outros: milagres.
            _Extraordinário Padre! – deu um salto do assento, exclamando, um entusiasmado Alisson.
            _Vamos fazer uma pausa para um café? Eu gosto muito de um café fresquinho, que tal? – propôs Padre Abel.
            _Aceito. Também gosto muito de um café.
            _Bem forte Alisson?
            _Bem forte padre.
            Ambos foram para a cozinha da casa paroquial, que era igualmente minúscula. Padre Abel “passou” o café rapidamente, mas ainda deu tempo para uma curta prosa sobre culinária.    

(Gilmar Cabral)

Nenhum comentário:

Postar um comentário