...E o nosso amor, que brotou
Do tempo, não tem idade,
Pois só quem ama
Escutou o apelo da eternidade.
(Carlos Drummond
de Andrade)
Mal Alisson estacionou o carro na
sua garagem, saiu rapidamente dele e abriu a porta de casa, deixando as chaves
do carro sobre a mesa de centro da sala, partiu para a área de serviço,
buscando o cesto de roupas sujas. Encontrou. Achou a camisa usada naquele dia
lá na casa da Camily. Olhou o bolso e lá estava o papel. Fez: ufa!.... Colocou-o
sobre a mesa da cozinha e foi tirar a roupa para um bom banho. Planejava limpar-se,
comer alguma coisa e telefonar para Elizabeth. Depois estudaria o texto
bíblico. Afinal, queria ler tanto o texto completo de Eclesiastes quanto ler o
texto de Isaías contido naquela folha de papel.
Enquanto tomava uma chuveirada,
conseguiu ouvir o telefone celular tocar lá, esquecido no sofá. Não se apressou
desta vez, queria curtir aquele momento de refrigério e de recordação do
período maravilhoso passado com a mãe. Depois ele olharia quem havia ligado. No
entanto, e se fosse Camily? Era mais fácil ser Elizabeth. Esfriou e deixou a
água rolar. Ensaboou-se e depois deixou calmamente a água limpar o seu corpo,
como se estivesse limpando a sua alma. Saiu do boxe de corpo e alma “lavados”.
A experiência com sua mãe foi tremenda, inesquecível.
Lentamente se enxugou passando a
toalha por todas as partes do corpo, como se estivesse se renovando; de pele
nova. Colocou a roupa de dormir. Não gostava de usar pijama, preferia dormir
com uma camisa de meia na cor azul envelhecida e um short marrom desbotado. Às
vezes, se estivesse frio, colocava um par de meias soquetes antigas.
Pegando o celular no sofá, foi logo
percebendo que a ligação era de Elizabeth, como imaginava. Sentou-se no sofá e
ligou para ela. A priori, ninguém atendeu e logo a mensagem eletrônica de caixa
postal ressoou no ouvido direito de Alisson. Pensou: “ela deve ter feito ou
sabido de alguma coisa. Depois ela liga ou eu ligo”. Levantou-se e foi para a
cozinha. Estava faminto. Retirou uma pizza congelada do freezer e colocou-a no
micro-ondas, enquanto isso, preparou um suco de laranja; Alisson gostava de
refrigerante somente com bolinhos de chuva. Gostava de bebidas alcóolicas,
mesmo não abusando nunca.
Voltou a se lembrar do bilhete ao
olhá-lo sobre a mesa da cozinha. Pegou-o e as lembranças de tudo aquilo que já
havia vivido para procurar Camily retornaram aos seus pensamentos. Colocou novamente
o bilhete sobre a mesa e tirou a pizza do micro-ondas. Pôs uma fatia
considerável no prato branco com detalhes azuis, pegou os talheres e despejou
suco de laranja num copo transparente e meio azulado, e caminhou novamente para
a sala com a refeição. Tinha um costume de sentar-se no sofá e por uma almofada
no colo para apoiar o prato e assim poder cortar os alimentos. O copo de suco
foi apoiado na mesa de centro. Alimentou-se. Tanto da pizza e do suco quanto
dos pensamentos sobre sua mãe, Camily, Alexia, o tempo...
Falando no tempo, veio à memória o desejo de conhecer aquele Padre que
sua mãe abordara na conversa maravilhosa que tiveram. Queria ter a oportunidade
de contar o que estava acontecendo para alguém como aquele padre; alguém que
pudesse ajudá-lo a entender os fatos surpreendentes que perpassavam sua vida
naqueles últimos dias. Decidiu que iria vê-lo. Só que antes leria os textos
bíblicos que tomara conhecimento na casa de Camily e na casa de seus pais.
Nem percebeu que não havia ligado a
televisão. Estava mergulhado nos pensamentos. Mas foi despertado pelo som
repentino de seu celular. Pegou rapidamente o telefone ainda assustado, apesar
de ser tamanha a sua concentração mental e estomacal, pois não deixou de
colocar uma garfada sequer em sua boca, mesmo envolto aos pensamentos
reflexivos. Era Elizabeth.
_Olá! Elizabeth! Liguei para você
ainda há pouco.
_É...eu ouvi. Mas estava no banho e
o celular já estava terminando a bateria.
_Diga, o que é que você manda?
_Eu e o seu Clayton, o investigador,
estivemos juntos hoje.
_Ah é... E o que vocês fizeram hoje?
Há novidades?
_Eu consegui ler grande parte do
diário de Camily e não vi nada de relevante pelo menos para o caso. Daí, recebi
o telefonema da Empresa avisando-me que o investigador estava lá para
interrogar os funcionários.
_O quê? Mas isto tem alguma
utilidade?
_Bem... ele disse que era rotina
policial e que deveria cumprir isto. Porém o mais interessante aconteceu quando
ele propôs que nós refizéssemos o trajeto possível de Camily naquele dia.
_É realmente foi uma boa ideia,
Elizabeth. Bem mais relevante do que ficar fazendo perguntas aos funcionários.
Mas me conte o resto, e daí...
_Daí que para minha surpresa ele
parou num sinal, que quase sempre está fechado mesmo. Desceu do carro e foi até
um bar em frente ao sinal. Conversou algum tempo e voltou bastante agitado,
dizendo que estava com uma grande informação: o dono do bar havia visto o carro
de Camily ser abordado por dois homens que entraram nele e, logo depois, o
carro saiu a toda. Ah, tem mais, o dono do boteco falou que saiu do bar e falou
com uma patrulhinha que ficava ali por perto e ele tinha praticamente a certeza
de que o carro foi perseguido.
_Então...
_Então, quando o cara do botequim
disse de qual batalhão eram os policiais, partimos para lá. Não encontramos os
dois policiais que fizeram a perseguição ao carro de Camily, eles estavam de
serviço, mas tivemos acesso às ocorrências policiais daquele dia do sumiço dela
e lemos que a patrulhinha perseguiu o carro até a entrada de uma favela no
Carpão, quando o carro dos policiais foi recebido com uma saraivada de tiros
que partiam da parte alta do morro. Os policiais não tiveram alternativa a não
ser recuarem e pedirem reforço. Este chegou e eles entraram na favela, porém
não encontraram nada, nem carro e nem Camily. Voltaram sem nenhuma informação
sobre o carro e nem sobre ela. No relatório, consta que os policiais desconfiam
que os sequestradores devam ter saído pelo outro lado da favela.
_Que que é isso! Parece coisa de
Hollywood! Mas... o que que o seu Clayton acha?
_Ele pensa que realmente foi um
sequestro e, provavelmente, um sequestro relâmpago que não deu certo por causa
da perseguição policial. Daí os marginais terem se refugiado no morro, devem ter
contatos ali ou serem de lá. Seu Clayton imagina que foi um sequestro relâmpago
porque eles até agora não pediram resgate, o que indica que os marginais não
estavam preparados para um sequestro nos moldes tradicionais e sim para algo
mais ligeiro. Isto também aumenta a possibilidade dela estar morta já que não
houve retorno a não ser uma ligação em seu celular. Os malfeitores podem ter
descartado a vítima quando a coisa frustrou.
_Esperemos que seu Clayton, nessa
parte, esteja equivocado. Penso, ou melhor, sinto que ela pode estar viva,
Elizabeth.
_Também tenho esperanças. Pelo menos
a polícia já sabe o que aconteceu quanto ao sumiço. A grande questão agora é
saber o que aconteceu após a perseguição policial, isto é, onde ela está e em
que condições ela está neste exato momento.
_Exatamente.
_Alisson, eu preciso contar uma
coisa que li no diário de Camily. É sobre você.
_Sobre mim?!
_Sim. Como existe a real
possibilidade dela estar morta, acho que não haverá problemas em contar-lhe o
que li. São 20:30 horas e meu noivo está chegando para jantarmos juntos. Até
cheguei a desmarcar o meu encontro com o Roberto, pois pensava que não teria
tempo para ler o diário com ele aqui. Mas como consegui ler bastante no almoço
e como o que li interessa a você, eu chamei-o novamente para jantar, e ele
ficou meio confuso, mas decidiu vir. Afirmei que iria explicar tudo quando
chegasse. Minha mãe já foi dormir. Ela dorme cedo. Peço que venha para cá
jantar conosco.
_Já jantei.
_Então venha comer a sobremesa
conosco: é mousse de limão. Não fique envergonhado, meu noivo vai estar aqui.
Não tem problema. Moro na Tijuca, Rua Conde de Bonfim, prédio Alvorada, o
número do apartamento é 901. É só pedir ao porteiro para interfonar.
_Como fiquei tentado pelo mousse e estou muito curioso sobre o que
Camily escreveu sobre mim em um objeto tão íntimo como um diário, daqui a pouco
estarei aí. Tchau!
_Tchau! O aguardo!
Alisson rapidamente dirigiu-se para
a cozinha, colocando o prato com os talheres e o copo na pia e foi para o
quarto para começar a se arrumar. Estava cansado, mas a curiosidade era grande.
Ele pensava enquanto se ajeitava: “será que ela falou mal de mim profissionalmente?”
“É... porque... pessoalmente ela não teria muito para dizer, pois não me
relacionava com ela...”. Terminou de se compor e pegou as chaves do carro.
Preocupava-se com o que ouviu sobre o sequestro de Camily e com a possibilidade
de ter que enfrentar a realidade de sua morte. Preocupou-se porque já estava
sentindo algo diferente por ela. Quando ouvia seu nome ou proferia-o, percebia
que seu coração batia mais forte e acelerado e vinha um sentimento de euforia
quase de paixão juvenil; talvez porque esse tipo de sentimento meio platônico
não fazia muito parte do cardápio amoroso de Alisson, e, além disso, a sensação
de aventura, que era gostar de uma moça cujo desaparecimento estava sob a
investigação policial, dava todo um tom hollywoodiano ao “caso” amoroso.
Pensativo, Alisson entrou no carro
e, como de costume, acelerou, desta vez para o apartamento de Elizabeth. No
meio do caminho, considerou a possibilidade real de Camily estar morta. Isto
apertou seu coração. Já se sentia enamorado por ela. Todavia, procurou concentrar-se
na curiosidade sobre o que estava escrito naquele diário. Algo tão íntimo de
uma moça e o seu nome lá!? Por um momento rezou pedindo a Deus que ela não
estivesse morta. De repente, se culpou dizendo para si mesmo: “quem sou eu para
pedir algo a Deus? Eu nem tenho ligado para Ele nos últimos anos! Acho que a
última vez que fiz um pedido foi no dia que... minha... mãe... morreu. Estranho
falar isso se hoje conversei com ela. É... realmente no desespero eu pedi que
Deus tivesse piedade de mim e me desse uma oportunidade, a última de falar com
minha mãe, pedir o seu perdão. De alguma forma, Deus atendeu-me.”
Alisson havia chegado ao Prédio do
apartamento de Elizabeth. Estacionou. Dirigiu-se à portaria e informou ao
porteiro que a moradora do apartamento 901 o estava esperando. O porteiro
interfonou e logo abriu a porta para Alisson. Ele entrou e dirigiu-se aos
elevadores. A entrada do prédio por fora era muito normal: aquele famoso espigão
de concreto acinzentado com detalhes em branco e azul. Por dentro era mais
charmoso. O chão era de uma cerâmica lindíssima cor de pérola e as paredes
emassadas em cor de palha com belos quadros e pequenas árvores de plástico aos
cantos dos rodapés os enfeitando. Um sofá moderno marrom no hall dos elevadores
para quem desejasse sentar-se para aguardar a hora de ser conduzido por um
ascensorista até seu destino.
Posicionado por ali, no hall, o elevador não demorou nada. Alisson entrou
e disse ao ascensorista o número do apartamento desejado. O elevador parou
algumas vezes o que impacientava o rapaz. Logo o elevador ficou cheio. Quando
chegou ao nono andar, Alisson saiu apressadamente, entretanto sem deixar de
agradecer ao ascensorista. Achou, sem dificuldades, a porta do apartamento de
Elizabeth. Tocou a campainha e prontamente Elizabeth abriu com um largo
sorriso, dando boa noite e boas-vindas a ele. Estava simples sem a roupa
sofisticada usada na Empresa: um vestido bege bem normal até os joelhos e com
um cinto do próprio tecido envolvendo sua fina cintura; o figurino
completava-se com uma sandália bem confortável, caseira mesmo, de pano. No
entanto, ela estava mais bonita do que aparentava no trabalho. “Mas não mais
que Camily”, dizia consigo mesmo Alisson ao vê-la com olhos de admirador.
Roberto veio logo em seguida. Estava
na cozinha já filando alguma coisa, talvez não querendo deixá-la sozinha por muito
tempo ali na sala com outro homem. Vê-se que era ciumento, mas também com uma
namorada atraente como Elizabeth não era mesmo para dar bobeira. Roberto era um
pouco imaturo comparando-o com Elizabeth. Estava se formando em Arquitetura,
mas não tinha nenhum projeto para sua carreira profissional, na verdade, nem
mesmo sabia se queria exercer a profissão. Parece que ingressou no Curso de
Arquitetura apenas para dar uma satisfação aos pais, que pagaram a Faculdade.
Emocionalmente já demonstrava depender de Elizabeth assim como dependera de sua
mãe para tomar decisões importantes na vida. De certa forma, embora não gostasse
dessa dependência do namorado com relação à mãe, Elizabeth já se agradava do
fato de Roberto estar transferindo sua dependência para ela. Isto a fazia
sentir-se poderosa na relação entre os dois. Sem contar que a demonstração de
imaturidade de Roberto dava um tom de ingenuidade a ele que funcionava como um
atrativo a mais na relação dos dois. Elizabeth ficava excitada com tamanha
dependência do “seu meninão grandão”.
Alisson e Roberto cumprimentaram-se muito educadamente. Elizabeth
convidou a visita para que se sentasse no sofá vermelho, o menor. Seu
apartamento era bem aconchegante, embora não fosse muito espaçoso. A sala era
realmente o lugar mais amplo. Bem decorado com quadros pintados e peças decorativas
nos móveis. Um belo tapete fofo na cor café com leite completava o requinte da
sala. Paredes em cor branco gelo. Sem falar na enorme TV de plasma (umas 52’)
que repousava sobre um reque de designe altamente moderno. Alisson passou os
olhos rapidamente sobre o ambiente e aprovou tudo: ela, como a chefa, tinha bom
gosto.
Elizabeth sentou-se ao lado de Roberto no sofá maior, o coral, e falou
para Alisson que ela já havia contado de forma resumida, mas precisa, tudo o
que estava acontecendo para o seu namorado. Este afirmava tudo com a cabeça e
fazia cara de espanto. Alisson de repente teve vontade de rir das caretas de
Roberto ao ouvir de sua amada os detalhes que ela já o havia falado. Porém, ele
se conteve.
Alisson então disse:
_E o diário? Estou ansioso para saber o que Camily disse ao meu respeito.
_Ah! Sim, claro. Tome. – Elizabeth entregou a ele pegando o diário de
cima da mesinha de centro.
_Eu nem vi que o diário estava aqui tão perto de mim. Ando meio
desatento, sabe né! – disse Alisson.
_Claro que sei. Eu também ando meio “desbaratada” das ideias. Todos
riram.
Elizabeth disse para ele ficar à vontade na leitura, enquanto eles
jantavam na copa. Depois eles o chamariam para a sobremesa. Ela apenas confirmou:
_Ela fala sobre você de forma mais precisa na data de 25 de fevereiro de
2012.
Ele, espantado, falou:
_Recente!
Elzabeth e Roberto foram jantar, aproveitariam para colocar o
relacionamento deles em dia. A mãe de Roberto não era muito a favor do namoro
deles, porém não complicava muito; o problema era o rapaz que ainda não se
libertara do “cordão umbilical” e isso irritava Elizabeth. Estiveram por algum
tempo separados e quase terminaram definitivamente tudo. O que salvou o
relacionamento era a paixão intensa que sentiam um pelo outro. Sentaram-se para
jantar e a conversa logo começou, mas em tom amigável, até mesmo amoroso: era
“meu bem para cá”, “meu coração” para lá; e Elizabeth foi com jeitinho cobrando
mais firmeza do Roberto com relação maneira intrujona da mãe dele participar do
relacionamento deles. Ao que o cara garantiu que iria se posicionar de forma
mais decisiva e definidora quanto a isso, é lógico que sem deixar de dizer que
“a mãe não fazia por mal”. Elizabeth se deu por satisfeita, embora tivesse uma
vontade danada de contra argumentar, mas resolveu não estragar o jantar; até
porque ele já havia afirmado que falaria com a mãe para “pegar mais leve” com
eles. Jantaram em paz. Enquanto isso, Alisson, ajeitando-se no sofá, abriu o
diário lentamente como que com receio de ler, mas ao mesmo tempo, cheio de
curiosidade. Leu calmamente:
Rio de Janeiro, 25 de fevereiro
de 2009.
Hoje decidi registrar aqui algo que
venho tentando há algum tempo colocar no papel, mas que sempre desisto por
ficar envergonhada. Hoje vai ser diferente, afinal, desde quando falar de amor
é para se ter vergonha? Desde que terminamos, eu e o Flávio, e isto já faz um
ano, não havia me interessado mais por nenhum rapaz. Todavia, não posso negar
que de algumas semanas para cá venho pensando muito num colega de trabalho.
Certamente ele nem imagina que estou me interessando por ele já que trabalhamos
em setores diferentes na Empresa e não nos relacionamos muito.
Porém, o fato é que seu jeito, seus
gestos, sua postura no trabalho e, não poderia ser diferente, sua beleza vêm me
atraindo a cada dia que o vejo, mesmo que seja somente por alguns instantes.
“Caramba! Ela estava apaixonada por mim?!”
Sei que, fora o trabalho, nossos
“mundos” são bem diferentes. Eu sou evangélica e ele, ao que me parece, não
pratica nenhuma religião; talvez seja um católico nominal, isto é, mais por
tradição de família do que por convicção e sem nenhuma prática religiosa.
“É de fato eu sou um católico nominal, mas tenho fé, poxa!”
Ele é gerente de Marketing e é
muito criativo, simpático e bom companheiro de trabalho. Tem um nome muito
bonito: Alisson. Quando aparece no meu setor, o meu coração começa a acelerar e
fico com as pernas meio que bambas; até mesmo sem graça por ter receio do
pessoal ou dele mesmo notar que mudei diante de sua presença.
“Nossa! Assim vou estourar com tanto elogios! Teria que mostrar isso para
a diretoria me valorizar mais. Estou todo bobo: mexer dessa maneira com o
coração de uma moça linda, altamente inteligente e competente, não é para
qualquer um”.
Acho que estou ficando apaixonada
por ele! Ainda que sem conversarmos muito ou sequer nos tocarmos de uma forma
mais consistente. Talvez seja uma paixão platônica, não sei. Só sei que me faz
bem sentir isto que eu estou sentindo ao escrever estas palavras, abrindo o meu
coração para você, querido diário.
“Gostei da frase: ‘tocarmos de uma forma mais consistente’, legal!”
Não sei se um dia ele saberá dessa
minha admiração secreta, dessa paixão romantizada. Na verdade, nem mesmo sei se
este sentimento que vem crescendo nos últimos dias resistirá ao tempo e à minha
falta de coragem para me declarar. Mas, por enquanto, posso afirmar que este
meu querido Alisson me fez ver a vida novamente com um toque de encantamento e
de beleza. Até amanhã, querido diário.
Alisson fechou o objeto que o surpreendera e o pôs sobre o peito apertando-o
e dizendo para si mesmo: “que ela não esteja morta...”
Elizabeth e Roberto apareceram na sala e convidaram Alisson para comerem
a sobremesa juntos. Ele agradeceu, mas disse que precisava voltar para casa. O
casal não permitiu arrastando-o para a cozinha. Lá, na pequena mesa, os três
saborearam o mousse de limão regado
ao assunto predileto da noite: lembranças de Camily. Alisson ficava meio
embasbacado ouvindo Elizabeth falar de alguns momentos inusitados da amiga e a
dizer como ela era no dia a dia do trabalho. Os olhos de Alisson brilhavam e
ele falava:
_Fale mais sobre ela!
Elizabeth comentava:
_Vejo que o diário mexeu com você. Acho que além das palavras apaixonadas
de Camily há mais alguém querendo declarar frases românticas nesta noite; pena
que não é você não é Roberto?
_Se você deseja, eu lerei um poema de amor para você, minha querida! – brincou
Roberto.
_Ah, assim não tem graça: forçando a barra! Pode guardar seu poema para
outra ocasião.
A noite foi se aprofundando e ficando tarde. Alisson então resolveu
despedir-se. Ao ouvir: “é cedo!” Disse que tinha planos de ir à missa no
domingo pela manhã, pois queria rezar por Camily e fazer uma surpresa à sua mãe:
desejava assistir à missa ao seu lado e depois ir almoçar com ela, o pai e o
irmão. Também revelou que iria aproveitar e marcar uma conversa com o Padre
Abel sobre a questão do Tempo e
outras coisas que o intrigavam. Ao que Elizabeth e Roberto acharam muito boa a
iniciativa de Alisson e afirmaram que também iriam rezar por Camily, embora sem
irem à Igreja.
Ele abriu a porta de casa. Era tarde
da noite. Estava cansado, mas ao mesmo tempo, extasiado por saber que uma bela
mulher o amava. Tirou a roupa. Tomou um demorado banho, trocou-se e foi se deitar.
Pediu a Deus duas coisas antes de conciliar o sono: que Camily estivesse viva e
que ele sonhasse com ela. Também agradeceu por ter vivido um sábado tão
especial. Já deitado, lembrou-se do texto bíblico recolhido na casa de Camily.
Levantou-se e, dirigindo-se até a cozinha, encontrou a referência bíblica
escrita no papel sobre a mesa: Isaías 38:1-8. Correu com o papel na mão até sua
estante na sala e procurou por sua Bíblia antiga, que usava nas liturgias da
Igreja. Achou-a guardada numa caixa de objetos da infância e da adolescência
depositada numa parte da estante que há muito ele não abria, pois lá eram guardadas
coisas antigas. A Bíblia estava com as folhas bem amareladas e com a capa já se
decompondo. Abriu-a e veio à sua mente muitas recordações da infância e da
adolescência. Lembrou-se do catecismo e da primeira comunhão. Relembrou como
sua mãe ficou orgulhosa por ver seu filho na Igrejá, servindo a Deus.
Voltou para a cama e, sentando-se,
recostou e começou a ler as Palavras Sagradas. Abriu no livro de Salmos.
Todavia, sua curiosidade era ler o texto lido por Camily antes de seu
sequestro. Teve alguma dificuldade para encontrar o texto já que fazia muito
tempo que ele não lia as Escrituras. Finalmente achou a referência e leu o
texto atentamente:
Por aquele tempo, adoeceu Ezequias
de uma enfermidade mortal. O profeta Isaías, filho de Amós, veio procurá-lo e
lhe disse: “Assim diz Iahweh: Dá as tuas últimas ordens à tua casa porque hás
de morrer; não te recuperarás.” Ezequias voltou-se para a parede e orou a
Iahweh e disse: “ah, Iahweh, lembra-te de que tenho andado na tua presença com
fidelidade e de coração inteiro, e fiz o que é agradável aos teus olhos.” E
Ezequias verteu abundantes lágrimas. Então veio a palavra de Iahweh a Isaías:
vai dizer a Ezequias: Assim diz Iahweh, Deus de teu pai Davi: Ouvi a tua oração
e vi as tuas lágrimas. Acrescentarei quinze anos à tua vida. Eu te livrarei, tu
e esta cidade, das mãos do rei da Assíria e protegerei esta cidade. Eis o sinal
da parte de Iahweh de que ele cumprirá a palavra que pronunciou. Eu farei recuar
dez graus a sombra que o sol avançou sobre os degraus da câmara alta de Acaz –
dez graus para trás.” O sol recuou dez graus sobre os degraus que tinha
avançado.
“Impressionante!” Pensou Alisson. Entendeu mas não entendeu. Percebeu que
Ezequias estava para morrer e Deus ouviu a sua oração mudando a sentença.
Também compreendeu que o sinal foi o recuo de dez graus na “câmara de Acaz”, o
que julgou ser uma espécie de relógio. Achou
estranho, mas lembrou-se que fora desde pequeno na Igreja instruído a acreditar
na Bíblia como verdadeira e infalível Palavra de Deus. Acreditou no episódio,
porém se questionou: “o que esse texto teria a ver com o sumiço de Camily e com
a sua possível repentina volta no tempo? Qual a ligação?” Alisson pressentia
que suas respostas passavam por ali. Inquieto, fechou a Bíblia e tentou adormecer.
(Quem já não pensou em viver um romance estilo hollywoodiano? As
fantasias românticas são as mais variadas. Há aqueles que sonham com um amor
estilo Romeu e Julieta. Há os que
gostam de viver um caso amoroso menos romântico e mais agitado como nos filmes
de ação, principalmente, quando a trama envolve um caso policial. O tom de
aventura desse segundo tipo é o que garante o interesse e o fascínio dessa relação.)
(A rotina quase monótona de levar pessoas ora para cima e ora para baixo
de um ascensorista muitas vezes deve ser quebrada pelo que este profissional
observa diariamente ao exercer o seu ofício. Conversas, fofocas, discussões,
confissões, palavrões, cantadas, choros, risos, piadas, lamentos, reclamações,
elogios, trechos de canções, maus cheiros, bons odores, etc. É um “mundo” de
sensações e de experiências que devem ser estimulantes. Se o ascensorista
desejar e tiver tino para a coisa, pode até ser um contador de histórias, um
contista ou até mesmo um romancista. Há muita matéria prima nas cenas de um
elevador. Aliás, o elevador é uma metáfora da vida. Subimos e descemos na vida
ou com muita rapidez ou demoramos muito, principalmente, quando estamos
subindo. A subida é demorada com algumas exceções. A descida pode ser muito
rápida, dependendo da situação. Sem contar que, às vezes, paramos, emperramos e
aí geralmente vem o desespero, o que não adianta e somente atrapalha. Quando
acontecer isso, o melhor é se acalmar e buscar a solução para o problema. O elevador
pode ensinar muita coisa.)
(Gilmar Cabral)